Instituto de Cinema de SP

"A gênese de um filme, pelo menos pra mim, é muito sincera” - Lina Chamie no Instituto de Cinema

A palestra do dia 2 de maio aqui no InC nos trouxe Lina Chamie. Foi uma noite de sorte para os amantes do cinema que estavam presentes. Lina esbanjou simpatia e ensinamentos sobre o universo cinematográfico, daqueles que dá vontade de anotar num caderninho pra não esquecer nunca, sabe? Passeou por sua trajetória e a significância que  o cinema carrega para si. Aqui vamos passar um pouco do que foi dito para que você possa conhecer mais sobre sua história.


Lina cresceu em uma casa com amor à cultura, com pais artistas que sempre tiveram a mente aberta, o que refletiu nela. Isso a faz ver que o mundo é por vezes violento, e que a arte é importante por ser um lugar de liberdade. Enxerga o Brasil em que cresceu e se preocupa com o retrocesso que vivemos atualmente.


Após Steven Phill, diretor do Instituto e mediador da palestra, salientar a importância de dar visibilidade às mulheres no cinema, Lina fala do começo de tudo, quando sempre se toca no nome dos irmãos Lumiére, mas quase nunca no de Alice Guy Blaché, uma contemporânea aos irmãos e pioneira do cinema, sendo talvez a primeira a experimentar o cinema de ficção.


Já de início a pergunta: “o que te levou a fazer cinema?”, a qual responde contando que foi a música, e principalmente a música no cinema. Fala de sua experiência ao assistir “2001, Uma Odisséia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick e “Morte em Veneza” (1971). Ambos trabalham a relação filme-música de maneira especial. Ao assistir 2001, chorou de emoção, e o momento acabou se tornando um marco para Lina.


A música entra em sua vida através do cinema, sendo “Fantasia” (1940) seu filme de infância favorito. A animação da Disney tem a música como importante personagem, que conversa de maneira excepcional com a imagem. Com esse sentimento, Lina entende que quer se tornar musicista, e então vai para Nova York estudar, onde se forma em Música e Filosofia.


Outra experiência crucial que a fez pender para o cinema foi ao visitar o set de “O Homem do Pau Brasil” (1982), de Joaquim Pedro de Andrade. Seus pais faziam ponta em uma cena, e foi nesse momento que Lina se encantou com o fazer cinema. Com, como ela mesma diz, “a parafernalha”, aquele trabalho para rodar um plano mexeu com ela. E assim deixou o Brasil para ir atrás de sua formação, onde estudou filosofia e música. Foi para os EUA porque queria estudar com um importante clarinetista, planejando estudar por 2 meses, mas acabou ficando por 13 anos.


Conta que mesmo estudando música, nunca deixou o cinema de lado. Continuou sendo cinéfila e assistindo muitos filmes, o que considera a maior fonte de aprendizagem para o fazer cinema. “A gente aprende a fazer os filmes vendo os filmes e fazendo os filmes”, mesmo que estudar o cinema seja extremamente importante para reflexão, acredita que assistir e fazer os filmes é a principal forma de aprender.


Na NYU precisou se virar, e é quando começa a trabalhar no departamento de cinema, sendo projecionista e o que preciso fosse. Essa é a trajetória até iniciar sua carreira. Aprendeu dessa maneira, vendo e fazendo, e por isso acredita no assitir como uma das ferramentas para ser cineasta.


Lina volta para o Brasil em 93, início da retomada do cinema nacional. Mesmo não tendo a pretensão de trabalhar com a sétima arte, entende que a música erudita por aqui talvez não tivesse muito espaço, e é quando se aproxima profissionalmente do cinema, trabalhando como assistente de direção e estagiária. Seu primeiro curta-metragem, “Eu Sei que Você Sabe”, estreia em 1995 e vai para o Festival de Brasília, quando dá início sua carreira pessoal como cineasta, sobretudo diretora.


Comenta como a passagem de analógico para digital é um marco na trajetória do cinema, mudando a maneira de fazer os filmes. Cita Andrè Bazin, que diz “a linguagem cinematográfica se transforma conforme a tecnologia evolui”, o que reconhece como fato, e acredita que as novas tecnologias vão acrescentando na forma do fazer cinema, trazendo junto um processo de democratização. Diz que isso transcende o cinema propriamente dito, com filmes para internet e séries indo além do significado primeiro de cinema, possibilitando novas formas de fazê-lo. Grande poder de transformação.


Com isso, lembra seu filme “A Via Láctea” (2007), um dos primeiros filmes praticamente todo digital. O filme foi gravado com Mini Dv, um achado para a linguagem do filme que tinha orçamento limitado. O jeito dado coube muito bem no estilo que Lina procurou, com apenas algumas cenas em película, sendo principalmente digital, isso em 2007. Brinca que fez o processo inverso, porque seu último longa-metragem de ficção foi rodado em película, em 2012.


Sobre “Tônica Dominante” (2000), Lina conta que o filme tem Kátia Coelho como a primeira Diretora de Fotografia em um longa. Com isso pergunta-se como é a percepção de ser uma mulher no set àquela época. Ela fala sobre como fotografia é provavelmente o departamento mais hierárquico, e que Kátia certamente viveu dificuldades por ser mulher naquele espaço e posição. Com ela também aconteceu, algumas vezes esbarrou em momentos que possivelmente aconteceram por ser mulher. Acredita que isso vem mudando porque há uma tomada de consciência sobre o assunto. Lina diz buscar “não passar recibo” para esses momentos, sempre seguindo em frente para dar atenção ao filme, que é o importante; não excluindo a existência e importância de resposta quando acontece.


Lina tem sempre uma bela frase de efeito, e ao ser perguntada sobre como escolhe seus projetos, diz “eu não escolho meus projetos, eles me escolhem”. Usa de exemplo seu processo de criação para o documentário "São Silvestre" (2013). Lina morava na Avenida Paulista e sempre ficava presa quando acontecia a corrida, até que um dia foi ver um pouco e acabou permanecendo por duas horas. Percebeu o homem comum tomando posse da cidade, em uma época carregada de sentimento, e assim pensou “ninguém fez um filme sobre isso, eu vou fazer”, e depois de 2 anos gravando a corrida, o longa nasceu. Tem um trabalho de som magnífico, sendo, literalmente, sem palavras; apenas com sons. Lina, com mais uma frase inspiradora, diz: “a gênese de um filme, pelo menos pra mim, é muito sincera”.


São Paulo é quase sempre uma personagem em seus filmes, porque o sentimento de viver na capital está sempre dentro de Lina, fazendo jus ao que diz: os filmes sempre carregam a identidade de quem os faz, já que são um “raio-x da alma”.


Como diretora que transitou entre ficção e documentário, Lina diz que um a ensinou muito sobre o outro, que os processos são diferentes e o importante é sentir o filme e ouvir o que ele tem a dizer.


Antes que o momento de perguntas fosse aberto, Lina passou um vídeo importantíssimo para o momento que estamos vivendo, dizendo ser preciso entender o audiovisual brasileiro como cultura e também indústria. O vídeo, com 1 minuto de duração, nos faz enxergar que o lazer de quem assiste é parte da economia brasileira, gera mais de 300 mil empregos e é maior que o setor do turismo, trazendo para a economia mais de 25 bilhões de reais por ano.


A costureira que faz o figurino ou o dono do restaurante que alimenta a equipe pagam impostos, consomem e geram empregos. Tirando uma frase do próprio filme: “essa gente empreendedora e trabalhadora do audiovisual quer que você se encante, se emocione, se informe, se valorize e se reconheça”. O filme preza pela importância social, cultural e econômica do audiovisual brasileiro, que no momento enfrenta um grande problema.


Aberto o momento de perguntas, a primeira é sobre como foi produzido o som de São Silvestre, que recebe muitos elogios por trazer a sensação da corrida para perto, e como Lina vê o trabalho de som direto no Brasil, por vezes parecendo falho, como em documentários do universo carcerário.


Lina conta sobre seu processo com o som no longa, que foi muito bem trabalhado, com reconstrução sonora - como na respiração e batimentos do coração. Sobre o som direto no Brasil, diz que nosso som sofreu preconceito por muito tempo, mas que os técnicos e equipamentos são muito bons. No universo do sistema carcerário, pontua que alguns problemas podem estar ligados ao processo de produção, e o que vai para a tela é muitas vezes o melhor que se pôde fazer.


A respeito de seus projetos a escolherem, Lina é questionada se um projeto que não vá necessariamente para telas de cinema poderia se tornar realidade para ela.


Diz que é um pouco complicado, porque ainda vê o cinema como experiência sensorial, com a sala escura, tela grande, som de alta qualidade e silêncio, sem interrupções; o que chama de “pacto de ilusão”.


Em uma pergunta parecida, questiona-se se Lina acredita que instalações, como a de realidade virtual de Alejandro G. Iñárritu para experienciar o que passam os imigrantes e refugiados, contempla o que é cinema. Lina acredita ser um caminho que pode surgir, principalmente agora, mas ainda enxerga o cinema como revolução, como o pacto de ilusão já citado.


Sendo uma santista fervorosa e já tendo um longa sobre o centenário do Santos, agora está em cartaz com “Santos de Todos os Gols” (2019). É questionada como se sente ao fazer um filme sobre futebol, um universo declaradamente masculino.


Lina reconhece o machismo que há, mas diz: “fiz do limão uma limonada”, sempre se colocando de maneira franca. Além de saber tudo o que estava falando, como diretora e torcedora. Apenas em um jogador diz ter percebido uma atitude estranha, que talvez tenha a ver com o fato de ser uma mulher ali, mas que no geral foi tranquilo, até porque o filme buscou dar lugar a um lado mais sensível dos jogadores.


Quando pergunta-se sobre a cena que mais a marcou, diz ter sido em 2001, por ter mudado sua vida sem que ela percebesse. Além da cena que assistiu sendo rodada em “O Homem do Pau Brasil”, onde percebeu a experiência do cinema pela primeira vez.


Lina é importante para a história do audiovisual brasileiro, e sua palestra nos trouxe de forma poética a importância dos filmes em sua vida, sem nos deixar esquecer como aqui temos uma indústria que alimenta empregos e economia. Uma grande cineasta e professora!


Por Mariana R. Marques

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