Instituto de Cinema de SP

As preocupações que assombram o audiovisual brasileiro

Mesmo quando o atual governo era apenas uma ideia que assombrava grande parte dos brasileiros nas eleições de 2018, já temia-se qual seria o cenário cultural do país caso chegasse ao poder. Logo ao assumir, vimos ser extinto o Ministério da Cultura, que se tornou então uma ilusória pasta dentro do Ministério da Cidadania.


Bem, em março assistimos o TCU (Tribunal de Contas da União) cobrar explicações da Ancine, responsável pelo repasse de verbas para produções audiovisuais, alegando que a agência não tinha condições de prestar todas as contas de projetos aprovados e que irregularidades foram encontradas. Com isso, deu-se o prazo de 60 dias para que uma nova metodologia para tais prestações fosse apresentada, uma que tornasse possível a revisão de projetos que apresentassem ressalvas. Era isso ou as verbas públicas liberadas para os diferentes projetos audiovisuais que contempla a agência estariam suspensas.


Após a exigência do TCU, a Ancine decidiu paralisar o fomento, consequentemente paralisando obras de toda parcela do setor audiovisual que dependem desse financiamento. É aí que a “novela do audiovisual” ganhou força, somando à história os responsáveis pelas produções.


Obras em andamento se viram forçadas a parar, e temeu-se até mesmo que a indústria voltasse ao que viveu na época de Collor: paralisação total e apenas cerca de 2 filmes nacionais produzidos por ano. Isso porque pensar uma nova forma de fiscalizar a prestação de contas de projetos passados e paralisar os que estavam em andamento deixaria um tempo ocioso para quem já estava em processo de produção. Alguns produtores alegaram não ser justo parar, já que o problema estava acontecendo entre TCU e Ancine, e que as produtoras são obrigadas a prestar suas contas caso não queiram ser barradas. Além disso, o que muitos defendem é a necessidade do Tribunal de entender as especificidades do setor, o que a Ancine compreende e trabalha há anos. 


O setor audiovisual é forte e resiste, mas ainda assim existe medo em meio aos que fazem parte da comunidade, já que seu avanço é “jovem”, tendo acontecido nos últimos 25 anos, desde a retomada. Seu constante crescimento é o que o dá maior segurança, mas diante de um governo como o atual, declaradamente conservador, é preocupante pensar em qual pode ser o seu destino, já que no poder estão pessoas que não entendem o setor como um investimento que dá retorno.


É fácil contestar essa perspectiva, vide dados que nos mostram a importância não só cultural, mas também econômica do audiovisual brasileiro. A empresa Motion Picture Association – América Latina (MPA-AL), mostra em uma pesquisa de 2016 que o setor injeta 23 bilhões de reais por ano no país e emprega, direta e indiretamente, mais de 495 mil pessoas. É muito difícil enxergar além da tela, no entanto, existe uma produção por trás de todo produto que chega aos olhos dos espectadores, e para isso, muitas pessoas trabalham; como a costureira responsável pelos figurinos e o restaurante que fornece comida para o set. Por isso é tão preocupante, além de perder culturalmente, o Brasil perde uma parcela de sua economia que ultrapassa o setor do turismo.


Os cortes aconteceram no mesmo dia em que 4 filmes com representações nacionais foram escolhidos para participarem do Festival de Cannes, um dos mais importantes no mundo do cinema. Diversos nomes influentes da área se manifestaram, dentre eles Laís Bodanzky, atual presidente da Spcine, que escreveu uma carta aberta em defesa do audiovisual, alegando que a organização considera tudo isso “um desmonte da política audiovisual brasileira”. Na carta ainda enaltece a importância do setor na metrópole em que atua: “Em São Paulo, região de atuação direta da Spcine, nos últimos três anos foram 52,7 mil postos de trabalho gerados e mais de R$ 1,1 bilhão movimentados pelas produções que passaram pela cidade”. Laís fez uma declaração também na abertura do Rio2C, onde declarou que “O audiovisual não morreu, mas respiramos por aparelhos”.


O acontecimento uniu a indústria, que expressou durante toda a discussão entender a importância de ser transparente no que envolve dinheiro público, mas pedindo que se crie um plano inteligente para lidar com a situação, não permitindo que o setor seja retaliado. 


No dia 17 de maio a Ancine divulgou em um comunicado pelo próprio site que voltava a operar normalmente após o novo Acórdão do TCU, que permite a retomada do fomento. “O novo documento esclarece questões relacionadas a determinações do órgão de controle sobre os processos de prestação de contas de projetos audiovisuais, bem como questões relativas à operação regular. Com isso, etapas das atividades de fomento que haviam sido suspensas de forma provisória e parcial voltam à normalidade, incluindo primeiras liberações de recursos, publicações de novas contratações no Diário Oficial da União e a admissibilidade de novos projetos.”


Ainda que exista um novo acordo e que as atividades tenham sido retomadas, é importante que a comunidade audiovisual continue se fazendo presente e manifestando contra quaisquer tentativas de desmonte a uma das áreas que mais trazem reconhecimento ao nosso país. Nossa cultura é nossa janela para o mundo, vencemos um prêmio importante no Festival de Cannes recentemente, título que prova nossa relevância no meio. Além disso, precisamos enaltecer a importância do setor enquanto investimento positivo para a economia do país. A ignorância não pode vencer os fatos.


Por Mariana R. Marques

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