Bacurau: o que o filme tem para nos ensinar? - CONTÉM SPOILER
Bacurau é com certeza uma das palavras mais citadas e procuradas nos últimos dias. O filme que a tem como título talvez tenha tomado proporções inimagináveis. Chegou com tudo no país que se via afogar em incertezas sobre o audiovisual. Bacurau, com sua força, alcançou espaços que não sabíamos que alcançaria. Por isso é necessário.
Antes de chegar ao circuito comercial nacional, o longa fazia sucesso por festivais importantes ao redor do mundo. Venceu em Berlim, venceu em Lima, venceu em Cannes - um dos mais influentes, onde ganhou o prêmio do Júri. Talvez tenha sido nesse momento que os olhos se atentaram mais para o que seria Bacurau. O filme conquistou um prêmio importantíssimo num tempo paralelo a acontecimentos tristes para nosso cinema. Uma afronta aos desacreditados.
Hoje a internet é responsável por alavancar a visibilidade, seja lá do que for. Em minha existência navegando na web, mesmo que recente, nunca observei um filme nacional tomar tal proporção. Mesmo antes de ser lançado oficialmente em seu país, Bacurau alcançava Facebook, Twitter e Instagram com memes e contagens regressivas. Se tornou um fenômeno mesmo antes de acontecer.
E finalmente chegou. As pré-estreias foram porta de entrada, o público brasileiro veria e ouviria a obra de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Saliento o "ouviria" porque o som de Bacurau é uma potência, como já acusavam os diretores. Tive o prazer de assistir em uma sessão especial. Salas lotadas. Todos ansiosos. Um fenômeno. O mediador anuncia que assistiríamos àquela obra em uma das primeiras sessões do país. A sala toda bateu palma e expressou euforia.
Assistir a Bacurau no cinema é uma verdadeira experiência. Logo de início é possível sentir a vibração quando a sala ecoa a voz de Gal Costa em Não Identificado. E é assim que somos introduzidos ao longa e de pouco em pouco apresentados ao vilarejo em que habita todo tipo de gente - crianças, professores, médicos, prostitutas, bêbados e consumidores de psicotrópicos. Bacurau está celebrando a vida de Dona Carmelita, importante figura da cidadezinha que veio a falecer.
É nesse clima que encontramos de fininho algumas informações, como Lunga (Silvero Pereira) estar sendo procurado, a cidade ter problemas com água e a rejeição ao seu prefeito, que dá de cara com as portas das casas quando busca mais votos. Isso é algo interessante em Bacurau, o que para muitos talvez seja incômodo; o espectador não é subestimado, as informações não nos são entregues de cara. É como se chegássemos junto à Teresa, personagem de Bárbara Colen, voltando para um lugar que já conhecemos, com pessoas que já conhecemos.
Quando um caminhão pipa volta para a cidade todo furado de bala e dois motoqueiros de trilha aparentemente perdidos chegam até Bacurau, o clima começa a nos mostrar que algo não está certo. O desconforto paira no ar com a chegada dos desconhecidos, que disparam perguntas em tom de superioridade. Os forasteiros seriam a tragédia anunciada.
A população de Bacurau estava para viver um show de horror e ser caçada, como se fossem animais. Um jogo onde contava-se pontos por matar. O lazer na viagem de alguns americanos era ver aquela gente morrer. Ilustração do sentimento de superioridade. Mas em Bacurau a resistência não permitiria que se brincasse com a vida do povo.
O povo nordestino resistiu num Brasil do amanhã, mas que podemos enxergar no hoje. E é com isso que precisamos aprender. Bacurau é um filme, é ficção, mas suas questões têm de fazer parte de nós. A resistência do povo oprimido, a vitória necessária contra àqueles que fazem questão de os derrubar.
A qualidade dessa obra audiovisual caminha por tantos lugares que chega ser difícil definir em poucas palavras. Em sua narrativa, técnica e importância política, Bacurau caminha com maestria. Graças ao roteiro e direção de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, além de toda a equipe e elenco que nos faz apaixonar pelas personalidades da cidade.
Sônia Braga está magnífica como Domingas, mulher que parece carrancuda mas não deixaria barato a ninguém que os machucasse. Destaque também para Silvero Pereira que como Lunga, é a figura do guerreiro que a cidade idolatra. E a Udo Kier, renomado ator alemão que com excelência nos faz sentir raiva daqueles que planejam exterminar o povo.
Bacurau já foi assistido por mais de 150 mil espectadores em menos de uma semana e parece ter aberto os olhos de muitos para o nosso cinema. Essa é mais uma qualidade que o filme carrega. A animação de tanta gente com um filme brasileiro tá bonita de ver. Imagina que lindo seria se essa fosse uma porta de entrada para que a gente enalteça o que fazemos? Vá prestigiar o cinema nacional. Faça crescer aquilo que é feito aqui. Por nós.
Por Mariana R. Marques