Instituto de Cinema de SP

Bolsonaro e o risco que representa ao cinema brasileiro

Os recentes acontecimentos ligados a Jair Bolsonaro e Ancine agitam o universo audiovisual brasileiro. A sequência de pronunciamentos feitos e decisões tomadas pelo presidente preocupam quem está ligado ao setor - e aqueles que se importam com nossa democracia. Para entender tudo é preciso dissecar a situação, que vai além de pequenas falas do presidente.  


A Ancine, criada em 2001 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, tem como função regular, fomentar e fiscalizar o mercado de cinema e audiovisual brasileiro, e movimenta cerca de 25 bilhões de reais ao ano - segundo dados do próprio setor, sendo importante participante do PIB nacional. Originalmente era vinculada à Casa Civil, passando para o Ministério da Cultura no governo Lula. Era administrada por sete ministros e outros nove representantes de fora do governo, ligados a setores do audiovisual e sociedade civil. 


A primeira mudança realmente feita por Jair Bolsonaro foi voltar a agência para a Casa Civil, ainda com sete ministros, porém apenas três representantes de fora do governo. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, será o presidente do Conselho e os demais ministros são: Sergio Moro (Justiça), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Abraham Weintraub (Educação), Osmar Terra (Cidadania), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Luiz Eduardo Ramos (da secretaria do Governo). Onyx decidirá quem serão os representantes da indústria e da sociedade civil. 


Ou seja, a participação do Governo passa a ser maior. Outra mostra dessa aproximação é a proposta de Bolsonaro em transferir o escritório central, que hoje é localizado no Rio de Janeiro, para Brasília. Essa mudança não mudaria de fato grandes questões, mas indica que o presidente deseja manter a direção perto dele. Laís Bodanzky, responsável pela direção-presidência do SPCine e diretora de importantes filmes do cinema brasileiro, como Bicho de Sete Cabeças e Como Nossos Pais, diz: “Isso tudo é um desvio de foco do que é mais importante, que é: qual é o projeto do Governo para o audiovisual?”. 


Tratando-se de projetos que indiquem quais mudanças devem acontecer dentro do setor, está uma das mais polêmicas declarações de Jair Bolsonaro. O presidente afirma que deseja fazer um “filtro” nas produções brasileiras que devem receber o fomento público. Para ilustrar sua questão, disse que não pode permitir ativismo e filmes como Bruna Surfistinha com o dinheiro público, defendendo também que é pelo bem da família. “Se não puder ter filtro, extinguiremos a Ancine. Não pode é dinheiro público sendo usado para filme pornográfico".


Tal afirmação revela o conservadorismo do presidente acima de questões importantes, como o valor econômico do audiovisual para o país. Bruna Surfistinha teve um orçamento de R$ 4 milhões e utilizou recursos da Lei do Audiovisual. O filme, visto por 2,1 milhões de pessoas, gerou uma renda de R$ 20 milhões. Além de sua renda, empregou 500 pessoas, pagou impostos e gerou receita para o governo. 


Manoel Rangel,  ex-presidente da Ancine que esteve em exercício entre 2006 e 2017, diz que o Estado “deve se manter longe das escolhas de temas, conteúdos e abordagens das obras audiovisuais”. Rangel revela ainda que a Ancine mudou drasticamente - para melhor - o cenário audiovisual no Brasil. Por isso é tão preocupante que nosso presidente tenha o desejo de “filtrar” as produções. Isso expressa um sentimento do crescente conservadorismo, e os perigos a que estão atrelados. 


A grande questão é que sozinho Bolsonaro não pode fazer nada. As mudanças que fazem parte de seu imaginário são dependentes de decisões do Congresso. Sua vontade de extinguir a Ancine caso não esteja em seus moldes, não basta. Para isso seria necessário a criação de um Projeto de Lei ou Medida Provisória que passariam por análise do Congresso. 


A Ancine torna possível a existência de diversas produções audiovisuais brasileiras, levando adiante a produção nacional. Pelo Twitter, o diretor Kleber Mendonça Filho (Aquarius e Bacurau), expressou que o plano de acabar com agência veio a tona no dia seguinte em que quatro filmes foram selecionados para o festival internacional de cinema de Locarno. Com 2019 sendo ainda um ano notável para nossas produções, como o prêmio que Bacurau garantiu em Cannes. 


O medo que nos assola, portanto, é a aparente censura disfarçada que Bolsonaro declara. Para tornar a produção de um filme possível, são analisados o conteúdo e orçamento, mas nada tem a ver com o gosto do Governo. Quem define ou não se deve assistir a um filme, é o espectador. Bolsonaro não pode dizer que tal filme não pode ser feito. É censura, e a censura é proibida pela Constituição.


Por Mariana R. Marques

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