Instituto de Cinema de SP

CRÍTICA | A Caminho da Lua

A Caminho da Lua chegou em outubro de 2020 na Netflix, mas até hoje é destaque na plataforma em razão de sua indicação ao Oscar 2021. Dirigido e animado pelo veterano da Disney Glen Kaene (A Pequena Sereia, Aladdin, A Bela e a Fera), o longa está concorrendo na categoria de Melhor Filme de Animação.


O filme tem início com a mãe da jovem chinesa Fei Fei (Cathy Ang) lhe contando sobre a antiga lenda de Chang’e, deusa da Lua, que está eternamente à espera de seu amado que ficou na terra. Em uma emocionante sequência musical, vemos Fei Fei crescer e sua mãe adoecer. Quatro anos depois da morte de sua mãe, Fei Fei ainda sofre com o luto da perda precoce e, quando seu pai lhe apresenta sua nova namorada, não sabe lidar com a situação.


Inconformada, Fei Fei traça um paralelo entre o amor da lenda de Chang’e e Hou Yi e o amor de seus pais, e decide construir um foguete para ir até a Lua provar a existência da deusa, na tentativa de fazer seu pai relembrar o amor por sua falecida mãe e convencê-lo de que deve esperar. Ela parte para essa aventura com sua coelhinha de estimação, Pulinho, mas também com um passageiro inesperado: o irritante filho da namorada do pai, ou seja, seu novo irmão de 8 anos, Chin (Robert G. Chiu).


O filme marca a estreia de Kaene como diretor de longa-metragem, já que antes disso tinha dirigido apenas o curta “Dear Basketball”, vencedor do Oscar de Melhor Curta de Animação em 2017. Além disso, uma outra questão interessante sobre a ficha técnica, e que reflete no resultado, é o fato de que a primeira roteirista, Audrey Wells (Sob o Sol da Toscana), faleceu em 2018, antes da finalização do filme. Outros membros da equipe mencionaram que Audrey se identificou muito com a história e com a mensagem, pois já sabia que tinha pouco tempo de vida e gostaria de deixar esse legado para sua família, especialmente sua filha.


No geral, a narrativa do filme lembra bastante a fórmula da Disney, o que é compreensível dado o histórico de trabalhos do diretor em grandes clássicos da animação. Com o passar do tempo, porém, é possível identificar alguns elementos que tornam o filme único e o dissociam do estúdio que nada tem a ver com sua produção, a exemplo do tom de humor e ironia, perceptível principalmente através de Chang’e (Phillipa Soo) e Gobi (Ken Jeong).


Se apoiando em uma narrativa clássica de aventura, os roteiristas conseguiram dar maior destaque para o tema, de forma bastante lúdica e simbólica, com muitas metáforas e paralelos entre as histórias. Além do paralelo feito por Fei Fei entre o amor de seus pais e o amor da deusa, é possível perceber, na verdade, que a maior relação entre as histórias é com ela mesma, sempre à espera de sua mãe, vivendo o luto, perda e separação assim como Chang’e.


Uma das maiores metáforas do filme, e que merece destaque pela genialidade e delicadeza na representação, é a “Câmara de Extraordinária Tristeza", um lugar impenetrável no qual Chang’e se isola, seguida por Fei Fei. Apenas elas, que sofrem o luto da perda de um ente querido, conseguem atravessar essa barreira, enquanto seus amigos se desesperam do lado de fora vendo ambas se isolarem, sem ter como alcançá-las. Aqui, o luto é representado por uma escuridão avassaladora, que afeta não só quem está sofrendo, mas todos ao redor por não poderem confortar essa pessoa.


Outro destaque da obra são as músicas. Enquanto algumas protagonizadas por Chang’e parecem um clipe de uma diva pop atual, outras como “Vou Voar” e “Se abrir para o amor” são extremamente emocionantes, trazendo equilíbrio para o filme.


O protagonismo feminino e a representatividade também são pontos positivos da produção original Netflix. Para além da personagem principal, a obra foca em outras personagens femininas, tendo como centro também a mãe de Fei Fei, a própria deusa Chang’e e até mesmo a relação da jovem com a nova namorada de seu pai. Ainda, se apoiando em uma lenda chinesa, além da ambientação, o longa tem o mérito de conseguir representar essa cultura em detalhes, e não apenas de forma superficial como vem sendo feito (a exemplo de Mulan), especialmente as tradições do feriado e festival da Lua, que celebram Chang’e.


A Caminho da Lua é uma grande aventura musical, extremamente divertida. Mas é também um emocionante drama familiar, que conta com lendas de uma cultura incrível e o poder da imaginação para tratar com delicadeza e de forma lúdica um tema sensível. Abordando questões como o luto, o medo e a importância de seguir em frente, a dificuldade de se abrir para o amor de uma nova família, aqui representada por Chin, a animação encanta tanto as crianças quanto adultos. 


O filme está disponível na Netflix e concorre ao Oscar de Melhor Animação. A premiação acontecerá no dia 25 de abril.


 


Por Ana Clara P.S.M.O.

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