Crítica | Anônimo
Originalmente planejado para estrear nos cinemas em Agosto de 2020, o filme “Anônimo” chegou às plataformas on-demand apenas em abril de 2021, sendo uma ousada aposta da Universal Pictures. O filme, que conta com roteiro de Derek Kolstad (co-criador de John Wick), direção de Ilya Naishuller (diretor de Hardcore Henry) e produção de David Leitch (diretor de John Wick: De volta ao jogo e grande coordenador de dublês), é mais um daqueles que contam a história de um “brucutu” aposentado, que decide voltar à ativa por algum motivo maior. Mas as coincidências com filmes do gênero acabam por aí, pois se observarmos a escalação do protagonista, Anônimo se mostra diferente das demais produções. O herói porradeiro da vez é interpretado por Bob Odenkirk, famoso por interpretar o falastrão indefeso Saul Goodman em Breaking Bad (2008-2013) e Better Call Saul (2015-presente). Mas diferente do papel que o consagrou, Anônimo nos apresenta um personagem atormentado, amargurado e nem um pouco indefeso, prometendo ser um grande desafio para o ator de 58 anos. Para isso, Bob Odenkirk passou um ano treinando, se preparando fisicamente para encarar cenas pesadas de luta com complexas coreografias. O resultado disso é um filme que, apesar de se assemelhar muito com a temática da saga do John Wick de Keanu Reeves, conquista sua originalidade justamente por conta de seu protagonista.
A trama começa nos apresentando Hutch Mansell (Bob Odenkirk), um pai de família entediado, que vive sua vida no piloto automático, e se contenta com uma rotina e cotidiano repetitivos. Porém, as coisas mudam drasticamente após a família de Hutch passar por um assalto no meio da noite, o que desencadeia uma grande mudança na vida de Hutch.
Nos minutos iniciais, o filme se dedica a nos mostrar, através de uma montagem frenética e acelerada, quem é o personagem que iremos acompanhar e qual a sua situação que ele se encontra. Após o impacto que abre o longa, compreendemos que Hutch possui algum segredo adormecido, que após o assalto em sua casa, passa a se remexer internamente. Frustrado com as acusações que recebe ao não reagir quando poderia durante o incidente, Hutch começa a procurar uma oportunidade de soltar seus demônios, o que se mostra o grande tema escondido do filme. Vemos uma explosão de raiva acumulada, frutos de traumas muito bem guardados ao longo de anos, o que revela aos poucos a verdadeira face do personagem, que lutou por tanto tempo para mantê-la adormecida. A partir daí passamos a acompanhar, de maneira muito eficiente, as tomadas de decisões do personagem de Bob Odenkirk, que surpreende muito com uma interpretação ao mesmo tempo inesperada (muito pelas gloriosas cenas de ação), e ainda assim carismática, sendo esta uma mistura que casa muito bem à proposta do personagem.
Apesar de ser um grande acerto com relação ao tom e às cenas de ação, o filme acaba pecando quando o foco é o drama dos personagens. Um tanto quanto frágil durante a narrativa, os momentos que estabelecem relações e motivações aparentam ser uma desculpa para as cenas de ação acontecerem. Isso acaba fragilizando o grande personagem de Bob Odenkirk, ao mesmo tempo que não dá credibilidade alguma ao vilão (interpretado por Alexei Walerjewitsch), chefe de uma máfia russa. Porém, não sendo este o foco da narrativa, o filme acaba não sendo tão afetado, já que se propõe a entregar cenas de ação bem pensadas e um personagem que nos conquiste pelo conjunto da obra. O resultado é um filme de porradaria realmente empolgante, com atuações que, além da do protagonista, não comprometem em nada o desenrolar da trama.
Elogios, é claro, à Bob Odenkirk, um excelente ator, que mostra sua versatilidade a dar vida ao “anônimo” Hutch, uma ótima interpretação para um personagem que mostra, ao longo do filme, ser mais do que parece. A montagem estilosa de Evan Schiff e William Yeh também é outro acerto do filme, se mostrando magnificamente eficiente. Para exemplificar, vemos no começo uma dinâmica e charmosa introdução, que em poucos minutos define a construção do personagem, nos fazendo compreender sua frustração e seu cansaço. Outro destaque é o personagem de Christopher Lloyd, uma excelente adição ao elenco, fazendo apenas rápidas participações ao longo do filme, mas que são um deleite para os fãs do ator e apreciadores de sua carreira.
Por Pedro Dourado.