Instituto de Cinema de SP

CRÍTICA | Boca a Boca

Dirigida e roteirizada por Esmir Filho, a nova série brasileira da Netflix conta com um cenário de epidemia causada por uma doença contagiosa transmitida pelo beijo, infectando a maior parte da população jovem da pequena cidade de Progresso. Sua estreia recente na plataforma chocou o público com as coincidências sobre o atual momento de pandemia enfrentado no mundo real em 2020, mas o autor já esclareceu que não passa disso, uma coincidência. A história, na verdade, é sobre medos, liberdade e tolerância.


O suspense gira em torno dos adolescentes Fran (Iza Moreira), Chico (Michel Joelsas) e Alex (Caio Horowicz), enquanto iniciam uma investigação para descobrir o que aconteceu com sua amiga Bel (Luana Nastas), que foi infectada pela doença após uma festa na qual todos os jovens da cidade compareceram. Além da doença, outros mistérios complementam a trama, como a existência de uma seita próxima da qual os habitantes de Progresso não podem se aproximar.


O nome da pequena cidade fictícia é uma clara ironia, pois na verdade é extremamente conservadora, rígida e, como sempre, cheia de segredos. A obra aproveita para criticar a herança coronelista brasileira, especialmente em cidades do interior com estrutura agropecuária como Progresso, que é literalmente dividida entre a casa grande e o que chamam de “colônia”. Este cenário também serve como base para outros acontecimentos e temas importantes como o racismo, a segregação entre pessoas de classes sociais diferentes e até mesmo a manipulação genética de animais para o mercado. 


Em relação à parte técnica, as cores da fotografia e direção de arte merecem destaque. Os tons de roxo, azul e rosa néon durante as cenas noturnas e nas festas passam uma sensação fantasiosa e simulam o efeito das drogas. Essas cores vibrantes também estão diretamente relacionadas com aquelas que aparecem nos adolescentes por causa da doença através de manchas na boca e pescoço. Em contraste, o tom pastel das casas e, principalmente, da escola e uniformes durante o dia traduz visualmente a vida dupla dos jovens da cidade.


A trilha sonora também surpreende com versões eletrônicas de músicas nacionais, inclusive a famosa cantiga “Boi da Cara Preta”, acrescentando um quê de sinistro que combina ainda mais com o clima e o tom da série. Outro elemento bastante presente é a tecnologia, através de stories de redes sociais, perfis online e aplicativos de encontros, que são parte importante da estrutura narrativa e direção, deixando tudo ainda mais visual e detalhado, fazendo o expectador mergulhar no universo adolescente através dos olhos deles.


Por último, é preciso destacar o trabalho do elenco, que conta com muitos nomes de peso como Denise Fraga, Thomas Aquino e Bruno Garcia, mas especialmente Grace Passô, que protagonizou cenas emocionantes como a personagem Dalva. 


Com um visual, trama e tom extremamente jovens, por assim dizer, Boca a Boca é uma série brasileira que se aproxima esteticamente dos produtos internacionais, mas sem perder a essência do drama nacional, tornando-a uma das primeiras, mas com certeza não a última, a dominar o público jovem brasileiro nas plataformas de streaming.


 


Por Ana Clara P.SM.O.

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