CRÍTICA | Mirai no Mirai
A relação entre filmes de animação japonesa, os chamados animes, e a Academia de Cinema começou não tem muito tempo. No ano de 2003, o filme A Viagem de Chihiro, de Hayao Miyazaki, produzido pelo famoso Studio Ghibli, não só ficou marcado na história como o primeiro anime a receber uma indicação, como também levou o grande prêmio de Melhor Animação no Oscar daquele ano. O filme foi uma grande porta de entrada das animações japonesas para boa parte do público no Ocidente.
Três anos após a primeira indicação, o Studio Ghibli recebeu novamente o reconhecimento por uma de suas animações. O Castelo Animado, também dirigido por Hayao Miyazaki, acabou não vencendo o prêmio em 2006, mas ajudou a propagar ainda mais os animes ao redor do mundo. Desde então, tivemos mais quatro indicações de produções japonesas na premiação de cinema mais famosa do mundo: em 2015, com o filme O Conto da Princesa Kaguya, o último longa de Isao Takahata; em 2016, com o filme As Memórias de Marnie, longa de Hiromasa Yonebayashi; em 2017, com A Tartaruga Vermelha, de Michaël Dudok; e em 2019, com a animação Mirai, a última animação japonesa presente na premiação do Oscar até hoje.
Mirai no Mirai, título original em japonês, foi escrito e dirigido por Mamoru Hosoda e produzido pelo estúdio de animação Studio Chizu. Antes de sua estreia, muito aguardada no Japão em 2018, o filme teve uma grande divulgação, contando com uma mostra imersiva em Tóquio, na importante galeria “Tokyo Dome City”, onde o universo introduzido no filme foi apresentado através de exposições interativas, criando uma grande expectativa no público.
O filme conta a história de Kun (Moka Kamishiraishi), um garoto de quatro anos de idade, que ao ganhar uma irmãzinha, Mirai (Haru Kuroki), se vê perdendo a atenção dos pais, que antes se dedicavam somente a ele. Mas não é apenas a vida do garoto que é virada de cabeça para baixo. O pai (Gen Hoshino) se responsabiliza pelos cuidados da casa, enquanto a esposa (Kumiko Aso) trabalha e cuida da recém nascida.
Kun então começa a se retrair, sentindo a falta dos pais, e passa a brincar sozinho. Até que um dia, sozinho no quintal, Kun descobre que a árvore da família possui capacidade mágicas, o transportando para o encontro de membros da família no passado e no futuro. Então, Kun conhece sua irmã Mirai adolescente, passa uma tarde com sua mãe na juventude, e um dia com seu bisavô após a guerra. E em meio a descobertas através da convivência com seus familiares, Kun vai conhecendo sua própria história, descobrindo como deve agir com o ciúmes e obtendo novos aprendizados.
Mirai fala sobre família. Podemos observar um trabalho admirável, que se destaca por apresentar um tema universal muito utilizado, e conseguir escapar de clichês e caminhos previsíveis. O filme apresenta de forma muito natural as situações e interações dos personagens, o que enriquece muito nossa experiência ao assistir o filme.
No filme, a relação que se dá entre os pais, filhos, avós e bisavô é muito verdadeira. Assim, ao acompanharmos a jornada de Kun, conseguimos nos relacionar e entender seus sentimentos, desde seu ciúmes com a irmã recém nascida, até sua empatia com os familiares que conhece no decorrer da história. Seu arco de descoberta e aprendizados é feito de maneira quase episódica, mas acaba funcionando muito bem devido ao carisma de cada personagem e pela verdade nos sentimentos do garoto. O plot do filme é relativamente simples, mas por conta dessa sensibilidade que vemos em tela, mergulhamos nesse mundo fantástico que o filme apresenta, e a reflexão proposta no terceiro ato funciona de maneira cativante.
A animação do filme é belíssima, contando com momentos onde os efeitos 2D e 3D se misturam, de forma a encher os olhos de quem está assistindo. Todo o cenário, cores e paisagens são como pinturas, cheias de detalhes e cuidados com texturas e reflexos, trazendo um ar de realidade surpreendente.
No fim das contas, Mirai é um filme encantador, que nos mostra, através de um mundo mágico, a necessidade de um olhar mais frequente em relação às produções orientais, que nos apresentam, de forma rica e com um olhar sensível, temas importantes e relevantes.
Por Pedro Dourado.