Instituto de Cinema de SP

CRÍTICA | O Gambito da Rainha

Ambientada nos anos 1960 e tendo como pano de fundo a tensão política da Guerra Fria, a nova série da Netflix, “O Gambito da Rainha”, vem conquistando o público e a crítica especializada ao trazer temas pertinentes aos dias atuais, como o abandono, o abuso de substâncias químicas, o patriarcado e a desigualdade de gênero. Protagonizada por Anya Taylor-Joy, a minissérie atinge excelência técnica ao contar a história de Beth Harmon, uma jovem prodígio no jogo de xadrez em sua jornada para se tornar a melhor do mundo e, quem sabe, se encontrar no caminho.


Durante os sete episódios, toda a narrativa se desenvolve ao redor da protagonista, deixando clara a escolha da direção em focar em sua subjetividade e explorar seus estados emocionais. Sendo assim, o maior destaque da produção é, sem sombra de dúvidas, a atuação de Anya Taylor-Joy. Com seus olhares hipnotizantes, ela domina a tela, capturando e seduzindo o espectador durante as longas partidas de xadrez e pelas transformações de sua personagem.


A premissa de onde surge Beth Harmon vem de um lugar já conhecido: uma criança prodígio, com um passado conturbado, e um grande fardo a carregar. No caso, a morte de sua mãe que a leva para um orfanato católico, e um vício quase imposto em calmantes. Entretanto, sua construção, seja em como enfrenta os percalços da difícil vida que se apresenta, ou na forma em que seu talento excepcional é retratado, resulta em uma protagonista única, com tanta veracidade que é possível esquecer que se trata apenas da adaptação de um livro ficcional.


Sua caracterização ímpar traz uma personagem que se destaca independente do contexto, atraindo imediatamente a atenção do público - principalmente quando esse contexto é a invariabilidade dos homens iguais do xadrez. A evolução do figurino de Beth é extremamente marcante e peça-chave na construção de sua trajetória, dos opressivos uniformes monocromáticos do orfanato, até a confiante e madura mulher disposta a conquistar o mundo do xadrez.


Por outro lado, sua marcante elegância desperta a questão da representação de seus vícios. Apesar de serem apontados já na cena de abertura e constantemente referenciados na narrativa como o fardo a ser carregado por ela, a série não dedica-se tanto ao trabalhar sua dependência química. Diferentemente do que esperamos, o roteiro não investe em momentos de decadência e opta por um caminho mais leve, fazendo com que o desenvolvimento do que seria o principal elemento a ser superado pela protagonista, deixe a desejar. O que acaba, intencionalmente ou não, dando mais espaço para sua outra obsessão, o xadrez.


Mesmo com essa ressalva, o roteiro impressiona, sendo bem estruturado a cada episódio, em parceria com uma montagem impecável que atrela as brilhantes jogadas de Beth aos passos que dá em sua vida pessoal. Em sua representação, a obra eleva o xadrez ao gozo cinematográfico, transformando o ambiente silencioso e monótono do jogo em tensão e adrenalina. Apesar de acontecerem repetidas vezes, as partidas de xadrez nunca se tornam repetitivas, muito pelo contrário, cada uma única, servem para nos guiar pela evolução da personagem.


Em seus quesitos técnicos, é possível observar um grande investimento na direção de arte, com uma reconstituição de época impressionante e um espetáculo visual tanto nos figurinos, quanto nos cenários. A fotografia nos leva pela história do começo ao fim com uma primorosa construção, acompanhada por uma trilha sonora cuidadosa, criam uma atmosfera reveladora de um universo que, apesar de às vezes doloroso, é cheio de esperança pelo futuro brilhante que aguarda a protagonista.


Imperdível, O Gambito da Rainha acerta em cheio ao nos contar a trajetória de amadurecimento e libertação da inigualável Beth Harmon que, sem ser convidada, adentra o mundo masculino do xadrez para abalá-lo e conquistá-lo. Não deixe de conferir, a minissérie está disponível na Netflix.


 


Por Isabella Thebas.

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