Instituto de Cinema de SP

CRÍTICA | Uma Mulher Alta

Do cineasta russo Kantemir Balagov, o filme Uma Mulher Alta se passa na cidade russa de Leningrado (atual São Petersburgo) logo após o término da Segunda Guerra Mundial, e conta história de duas mulheres que lidam com as consequências e os traumas da guerra.


Para tanto, a obra faz um belíssimo retrato de um momento fraturado pelas marcas da história. Por 872 dias Leningrado foi submetida a um cerco alemão, durante o qual faleceram um milhão de civis e militares, principalmente de frio e fome. Tratando-se do mais brutal bloqueio da história moderna, o mesmo reduziu drasticamente a população local. E, mesmo tendo sido encerrado ao fim da guerra, deixou diversas sequelas na cidade, fazendo com que a tarefa de seguir, recomeçar ou reconstruir a vida fosse miserável e cercada por dor e morte.


As personagens principais, Iya e Masha, são duas ex-combatentes que voltaram da guerra carregando suas próprias sequelas. Contando com atuações excepcionais de Viktoria Miroshnichenko e Vasilisa Perelygina, tocam ao fundo da alma e arrepiam com sua intensidade. A primeira sofre de uma paralisia esporádica e incontrolável, a segunda - devido a uma sucessão de abortos espontâneos - tornou-se infértil. A narrativa e suas vidas então são pautadas por essas duas debilidades enquanto ambas procuram não apenas sobreviver, mas também encontrar esperança e significado.


Esse significado, associado a uma constante promessa de positividade e um futuro melhor, se materializa para elas na possibilidade de criar um filho, uma nova geração. Mas não uma criança qualquer, um órfão de guerra que carregue seus próprios traumas e sequelas, é necessário que seja uma criança “inteira”, nova, que não tenha passado pelos horrores vividos pelo conflito, uma promessa de esperança. E é nessa promessa de um futuro melhor e pacífico que tal sociedade fraturada se apoia, pelo menos aqueles que podem nela acreditar.


Para aqueles que, por sua vez, a guerra levou demais para que pudessem se manter esperançosos, apenas o mais ensaiado dos “muito obrigado pelo seu serviço”. Ambientado num hospital saturado de veteranos com as mais diversas enfermidades, o longa-metragem faz questão de evidenciar as inúmeras consequências do enfrentamento - tanto aquelas diretas e explícitas, como os corpos mutilados, quanto as mais sutis e íntimas perdas -, ao mesmo tempo em que constrói um relato da sociedade soviética do momento.


As personagens vivem em uma kommunalka, um modelo de habitação comunitário comum na Rússia a partir da década de 1930 em que os antigos e imensos apartamentos da elite foram divididos entre diferentes famílias que viviam juntas dividindo a mesma cozinha. Esses momentos de intersecção de famílias são mostrados no filme, apesar de não transmitirem qualquer sentimento de comunidade. Muito pelo contrário, o que está sempre presente são ambientes abarrotados de pessoas que dificilmente atentam-se umas às outras, seja nas casas, nas ruas ou no próprio hospital.


Tudo isso, e principalmente as dores desse mundo fraturado, ganham vida na forma de uma bela pintura nas mãos do diretor. Os planos, sempre repletos de cores fortes acompanhadas de uma luz amarela suave que banha a tela, são longos, com movimentos lentos, num ritmo próprio, agonizante, mas que em nenhum momento se torna cansativo. Lindas e vagarosas imagens de momentos lastimáveis e desumanos, encantam, emocionam e chocam. Uma lentidão que espelha um processo de dor e tentativa de cura, que procura sentido naquilo que resta ao fim de uma guerra, que exprime cicatrizes, faz pensar e, ainda mais, sentir.


 


Por Isabella Thebas

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