Diretores do longa “Tinta Bruta”, grande vencedor do Festival do Rio, conversam com o Instituto de Cinema
O longa “Tinta Bruta”, distribuído pela Vitrine Cultural, conta a história de Pedro, interpretado por Shico Menegat, um solitário e tímido jovem homossexual, que mora em Porto Alegre e é obrigado a lidar com a mudança da irmã, com quem dividia o apartamento, ao mesmo tempo que responde por um processo criminal.
Pedro vive quase que uma vida dupla, encarnando o Garoto Neon na internet e realizando performances eróticas para anônimos de todos os lugares do mundo, como meio de sobrevivência financeira e escape da realidade. A tinta neon aparece como um elemento marcante da sua identidade.
O filme ilustra quais foram as cicatrizes em Pedro causadas pelos julgamentos e perseguições que sofreu durante toda a sua vida, tanto por sua sexualidade, quanto por sua aparência, e como o personagem se comporta ao conhecer Léo, interpretado por Bruno Fernandes, outro artista performático do submundo online.
Como imagem de fundo, vemos uma Porto Alegre cinza, solitária, abandonada e claustrofóbica, contundentemente contrastante aos neons de Pedro.
“Tinta Bruta” foi dirigido por Filipe Matzembacher e Márcio Reolon que vêm se consolidando no cinema brasileiro, ganhando os prêmios de Melhor Filme, Roteiro, Ator e Ator Coadjuvante no Festival do Rio e chamando atenção no circuito internacional, ganhando o principal prêmio LGBT do mundo, o Teddy. A dupla gaúcha também dirigiu o filme “Beira-Mar”, de 2015, aplaudido com veemência no Festival de Berlim.
Os diretores contam mais sobre o enredo, a produção e a pós-produção em conversa com o InC, além de contarem sua trajetória no cinema, como se interessaram pela sétima arte e quais são as expectativas para o futuro do audiovisual brasileiro.
Sobre o que é o “Tinta Bruta”?
Filipe: O Tinta Bruta é um longa metragem que conta a história do Pedro, um jovem que mora em Porto Alegre e que está sofrendo um processo criminal enquanto tem que lidar com a despedida da sua irmã e uma vez que ele entra em um processo de se enclausurar em casa, ele começa a performar na internet em sites eróticos, pintando o corpo de tinta neon.
Na internet ele se torna esse personagem que é o Garoto Neon e que é quase uma versão idealizada dele mesmo. Chega um momento em que ele descobre que tem um outro jovem o imitando e ele vai de encontro a essa outra pessoa.
Como foi o processo de produção e filmagem?
Filipe: Começamos a trabalhar no filme a partir de 2013/2014, mais ou menos. Foram 27 diarias de filmagem, nós temos uma pré-produção bem longa. Na verdade a gente tenta aproximar esse processo bastante do teatro, por exemplo, os ensaios são bem mais longos do que o normal, ensaiamos por um total de 7 meses.
Foi um processo muito bom, boa parte da equipe a gente já tinha trabalhado em outras produções. A gente tem uma equipe que confiamos muito e que somos muito próximos, também. Por isso nos comunicamos de uma maneira muito interessante, seja no set ou seja na pré-produção.
No filme, nós vemos o Pedro assistindo diversas pessoas indo embora, inclusive a irmã dele. O quanto esse sentimento de clausura, apesar da vontade de ir embora também, tem a ver com um sentimento pessoal de vocês?
Márcio: Acho que é bastante autobiográfico isso, de certa forma. A gente começou a desenvolver o roteiro do filme, a gente se tocou de que dos nossos dez amigos mais próximos, seis ou sete deles não moravam mais em Porto Alegre. Então nós tínhamos muito esse sentimento de acompanhar as pessoas que a gente gosta indo embora e a gente permanecendo na cidade, então isso é muito direto.
Já a vontade de ir embora, já não sei se corresponde tanto com a gente. Até então a gente sempre ficou né.
Filipe: Acho que isso é muito resultado da cidade de Porto Alegre ter se tornado uma cidade mais fria, mais hostil e violenta. A cidade se torna quase um porto fantasma assim. E isso foi uma escolha pública das últimas gestões que foram ignorando o espaço público e de convívio social, fazendo com que as pessoas ficassem mais e mais isoladas dentro de casa, fazendo com que a cidade se torne menos humana.
A gente sente que a cidade se tornou menos atrativa, especialmente para a juventude. Então queríamos muito retratar essa Porto Alegre, que se tornou quase que antagonista a própria juventude dela.
Como vocês se conheceram?
Filipe: Nós dois nascemos, crescemos e moramos em Porto Alegre. Também cursamos Cinema na PUC e nos conhecemos durante a faculdade. O Márcio era meu veterano.
O medo de estar sozinho é um sentimento que permeia o filme inteiro. Contem um pouco como foi o desenvolvimento do roteiro e quais foram os recursos para os diálogos ficarem mais fluídos e naturais?
Márcio: O roteiro a gente escreve de uma maneira bastante colaborativa. Eu e o Felipe realmente sentamos juntos na frente do computador e vamos escrevendo.
Foi um processo bem longo de escrita, foram cerca de 2 anos. Eu acho que a gente canalizou ali muitos sentimentos bastante pessoais.
Durante o processo de escrita o país sofreu um golpe, em 2016, e eu acho que isso provocou na gente um sentimento de raiva que nós canalizamos bastante ali dentro da história e colocou no personagem do Pedro. Eu acho que muito do que ele sente e passa ali é um reflexo direto de nós, há uma conexão quase que umbilical nossa com aquele personagem. Por mais que não seja literalmente autobiográfica, é uma história muito pessoal nesse sentido.
Filipe: Falando sobre o processo de roteiro, no que diz respeito aos diálogos, eu e o Márcio temos um histórico como atores, inclusive o Márcio segue atuando, fazendo até uma ponta no filme. Então eu acho que isso é uma preocupação nossa, a gente até faz um exercício quando escrevemos os diálogos, pensando se aquilo vai soar bem saindo da boca de uma pessoa, de fato. Damos muita atenção para isso.
A gente trabalha muito com isso durante o processo todo dos ensaios, também, nessa segunda etapa. Então se a gente sente que alguma coisa não está dando certo, não está ficando orgânico, a gente está sempre aberto a modificar. Nossas falas não foram falas rígidas e fechadas.
Como foi a escolha dos atores que interpretaram os personagens?
Márcio: O Léo e o Pedro é até interessante, o Bruno que é quem faz o Léo ele é ator de teatro, ele nunca tinha feito cinema, mas ele é de um companhia de teatro lá de Porto Alegre. Um dia nós vimos uma peça em que ele participava e a gente ficou super tocado pela performance dele, a gente sabia que um dia queríamos trabalhar com ele. Aí quando a gente estava escrevendo o roteiro do filme, surgiu o papel do Léo e nós pensamos imediatamente no Bruno, ele foi nossa primeira e única opção.
Nós achávamos que ele tinha essa energia de alguém que quando chega em um ambiente, toma conta dele, uma pessoa com uma energia muito positiva. E era assim que a gente imaginava o personagem.
Para o Pedro foi um pouco mais difícil. A gente procurou por um tempo um ator de Porto Alegre, porque era importante para gente que fosse de lá. Nesse tempo procuramos algum ator que tivesse alguma características específicas, a gente queria alguém que tivesse uma aparência frágil, mas que a gente sentisse uma intensidade e uma potencial agressividade, no olhar.
Um dia nós estávamos numa festa e vimos o Shico discotecando. E ele fechava muito com o que a gente imaginava, ele é super magro, tatuado, com o cabelo preto comprido, sentimos uma pulsão muito forte.
Filipe: Mesmo sendo uma figura que quase flerta com uma androginia.
Márcio: Sim! O que pra gente era muito importante, era quase que um contraste ali, muito legal. Aí fomos conversar com ele, tomar um café, enviamos o roteiro e ele ficou super empolgado em fazer o filme! Ele já conhecia nosso trabalho através do Beira-Mar, nosso primeiro longa.
Só que aí ele contou que só tinha um problema, que ele nunca tinha atuado antes. Então combinamos com ele e com o Bruno, de fazer um processo de ensaios de sete meses, em que fomos de pouco a pouco ensaiando e construindo esses personagens e encontrando a linguagem de atuação do filme também.
A gente começou primeiro quase que com encontros semanais, duas vezes por semana, que era quase uma terapia em grupo em que compartilhávamos coisas muito íntimas, mas que de alguma forma se relacionavam com os personagens ou com temas que a história abordava. Depois disso passamos para os primeiros exercícios de interpretação e noção de câmera e depois entrando nos personagens e nos textos e ai sim começar a agregar os outros atores, uma vez que eles já estavam confortáveis entre eles.
Acredito que foi um processo muito rico, como nossa base original é no teatro, a gente sempre busca aproximar os processos do cinema dos processos do teatro. No cinema as vezes pela falta de tempo e por ser um processo mais caro, acaba sendo um pouco engessado, uma coisa muito pré-pronta, com ensaios muito rápidos.
Sempre que a gente precisa investir em alguma coisa, a gente investe em tempo. Às vezes ter um processo mais longo e com isso ir desenvolvendo as coisas em conjunto.
Então no processo de pré-produção e produção vocês dividem literalmente as funções ou alguém acaba ficando mais responsável por alguma parte específica?
Márcio: Nós fazemos absolutamente tudo juntos. Desde a escrita do roteiro e direção de atores até a decupagem, conversa com equipe e conceitos estéticos. Tudo, tudo, a gente faz juntos.
Filipe: O que acontece é que como a gente investe nessa pré-produção bem longa, com o elenco, o resto da equipe e entre a gente, faz com que toda a equipe tenha o mesmo filme na cabeça, o que facilita!
Mesmo nos momentos de improviso, eles vêm já dentro do universo do filme, que é uma coisa essencial. Claro, às vezes no set, tem alguns momentos de correria em que temos que nos dividir, mas no geral não existe uma divisão. E eu acho que isso tudo faz com que nossos sets sejam mais silenciosos e com o seu tempo próprio. Várias pessoas que trabalham com a gente falam sobre isso, que os nossos sets são os mais silenciosos que eles já trabalharam.
Como foi a escolha da equipe? Vocês costumam trabalhar com os mesmos profissionais ou costumam rotacionar?
Márcio: Alguns a gente trabalha já a bastante tempo. A nossa diretora de arte é quem nós trabalhamos desde o nosso primeiro curta da faculdade do Filipe, desde o primeiro semestre e todos os nossos filmes até hoje, já são dez anos trabalhando juntos.
Algumas outras pessoas não, elas entraram nesse projeto, mas a gente já queria trabalhar com elas a algum tempo.
Filipe: O Glauco, por exemplo, que é o nosso fotógrafo. Mas o Germano, por exemplo, que é o montador, ele é o nosso sócio e nós já trabalhamos juntos a algum tempo. Acredito que é a mesma dinâmica, então as pessoas meio que já entendem.
Acho legal isso de ter a sua turma assim, sabe? Porque aí às vezes com o olhar as pessoas já entendem. A comunicação acontece de uma maneira muito mais rápida.
Como foi a escolha da estética do filme e da direção de arte, que são elementos marcantes em todo o longa, inclusive com o próprio neon?
Filipe: Isso foi um trabalho muito legal do Glauco, o fotógrafo, e da Manu, que é a nossa diretora de arte. A gente falava sempre que Porto Alegre era uma personagem do filme, sempre discutíamos como materializar essa cidade, quase como uma antagonista ao Pedro.
Quando a gente encontrou aquela casa, que eu acho que é um elemento bem importante, ela era perfeita em dimensões mas ela tinha sido recém-reformada, com a parede branquinha e tudo muito novinho. A gente olhou e pensou que teríamos que destruir essa casa, para ter essa caso do Pedro que é uma casa de anos, uma casa com história. O que a Manu fez foi muito legal. Ela olhou pela janela, olhou para a cidade e ficou captando as cores que tinha ao redor e trazendo para dentro da casa. Ela captou as cores mais presentes e começou a pintar a casa e ela foi envelhecendo a casa.
Foi um processo muito legal, de pensar a humanidade dos espaços, pensar até em detalhes, como talvez criar uma camada de gordura na porta, por exemplo, de tanto todo mundo passar a mão.
Em paralelo, a gente tinha esse personagem que trabalha com a ideia da tinta. E o Glauco trouxe um conceito muito legal, que foi de falar “Puts, eu sempre piro sobre a lava quando eu penso na tinta”, a gente parou para pensar que faz sentido e lembramos até do documentário do Herzog sobre vulcões, e no set de filmagem tinham várias fotos de vulcões coladas na parede.
Então, foi uma coisa que foi pra relembrar, na verdade, como o Pedro é esse personagem vulcânico, nessa cidade super cinza e ocre, meio sem vida. E aí do nada chegam aquelas cores, aquela saturação extrema, no meio de tudo isso.
A tinta foi uma coisa que surgiu no roteiro, teve um processo muito legal nos ensaios também, com os meninos e as performances. Daí teve o trabalho da Manu junto com a maquiadora também, de criar várias texturas diferentes, tinham sempre uns catorze potinhos de tinta, de várias cores e texturas diferentes. Umas eram sempre mais grossas e outras eram bem mais líquidas.
Antes do “Tinta Bruta” vocês produziram o longa “Beira-Mar” que também era protagonizado por um casal LGBT. Qual vocês acreditam que seja a importância de trazer esses temas e de trazer casais não heteronormativos.
Filipe: Eu acho que o nosso passado e a nossa história se materializam quando as narrativas são contadas quando a gente propõe olhares sobre pontos de vista distintos. O cinema nacional só tende a melhorar, crescer e ter realmente um debate mais sadio sobre a sociedade brasileira com essa diversidade.
A gente sempre pensa muito em questões de gênero, de seuxalidade e também em questões sociais e políticas nos nossos filmes, o que para gente é muito interessante de trabalhar.
Por exemplo no “Beira-Mar” que era uma questão muito relacionada ao desejo e ao mesmo tempo a maturação, em relação ao se tornar adulto. Já no “Tinta Bruta” são abordadas diversas questões, até ter um casal LGBT naquele ambiente super hostil, como eles se comportam, como eles se sentem em relação àquela cidade.
Acho que as histórias acabam pedindo certos personagens ou não. Mas eu sempre questiono “Essa representação é algo que tem sido visada, repetitiva? O que ela agrega, acrescenta?”.
Como foi o processo para tirar esses projetos do papel e realmente filmar? E como foi a questão da distribuição?
Márcio: No caso do “Beira-Mar” a gente foi bastante independente, filmamos ele com R$ 7 mil. Depois, claro, vimos um edital para finalização. Ele surgiu mais de uma vontade nossa de fazer um filme sobre juventude e adolescência, enquanto a gente ainda estava bem próximo dessa idade, então queríamos falar muito através da nossa visão, quase como uma perspectiva interna, evitando uma visão mais idealizada ou nostálgica da adolescência.
Também era um filme bem mais experimental, quase que um exercício com atores, a gente não tínhamos um roteiro, fomos improvisando à medida que íamos filmando.
Para o “Tinta Bruta” que já era um projeto com uma outra proporção, um projeto muito mais roteirizado e ambicioso, mesmo em termos de estrutura. Então para viabilizar ele a gente teve dois recursos: a gente ganhou um edital para desenvolvimento de roteiro, do Festival de Roterdã e depois nós ganhamos um edital nacional para a produção do MINC em parceria com o FSA, para filmes de baixo orçamento.
Através desses dois editais a gente conseguiu viabilizar o filme.
Quanto a distribuição, em ambos os filmes quem está realizando essa parte é a Vitrine Filmes, eles trabalharam com a gente no “Beira-Mar” e agora estamos trabalhando com eles novamente no “Tinta Bruta”. Agora o filme também está participando da Sessão Vitrine Petrobras o que é bem interessante, porque os filmes passam em cinemas a preço popular, o que aumenta o acesso, democratiza.
Filipe: Eu acho muito legal porque a Vitrine esteve com a gente desde o início do projeto. A gente mandou só o projeto para eles, não tinha nem roteiro, e já tivemos um feedback. Foi ótimo contar com a parceria desde o início.
Nós também temos uma distribuidora internacional que vem ajudando em outros países e territórios, alguns festivais fora do país.
Vocês esperavam que o “Tinta Bruta” tomasse toda essa proporção?
Filipe: Acredito que a gente não espera, tentamos sempre fazer o filme mais honesto e nos dedicamos muito para o filme. Uma frase que falamos bastante durante o set é “Toda dedicação que a gente colocar no filme, vai estar impressa ali”, ou seja, mesmo que certas escolhas tenham sido acertadas ou não, toda a dedicação que a gente puser ali, vai estar impressa no filme.
Márcio: Sempre dedicamos muitas horas para o filme, sempre trabalhamos muito. Então é muito massa quando rola esse tipo de retorno, seja de festivais, premiações, público, crítica, ou o que for. Porque assim acho que começa a fazer sentido esse diálogo que a gente costuma criar com os filmes.
Filipe: E é muito bonito ter esse retorno de diferentes platéias, com pontos de vista diferentes, pessoas muito distintas. O que a gente sempre fala é que tem que se dedicar muito para o filme, aí a partir dali o filme não é mais nosso, são das pessoas.
Contem um pouquinho da trajetória de vocês no cinema, apesar delas se complementarem bastante, como surgiu o interesse de vocês por cultura e arte.
Márcio: Eu tenho insônia desde os 5 anos, que é uma coisa crônica, de família, meu pai tem, minha avó tinha. Então acho que desde essa idade eu não conseguia dormir a noite e isso fazia com que eu me sentisse muito sozinho. Aí eu ia para a sala, e meu pai estava acordado também, geralmente vendo filmes. Então eu sentava com ele no sofá e fica assistindo junto com ele e aquilo era quase que uma válvula de escape para aquela solidão que eu sentia, naquele momento. Eu me projetava vivendo aquelas histórias, aqueles outros mundos.
Isso fez com que eu, mesmo com pouca idade, conseguisse avançar bastante em uma cinefilia, foi uma coisa que foi sempre muito importante para mim. Logo na adolescência eu já comecei a atuar e trabalhar como ator. Logo depois fui trabalhar em uma videolocadora, até o momento que eu decidi que eu iria estudar Cinema.
Aí eu acabei conhecendo o Filipe e nós abrimos uma produtora.
Filipe: Eu já não venho de uma família tão cinéfila e tão insone como a do Márcio, mas eu sempre me interessei muito sobre contar histórias, sobre cinema, teatro. Então conforme foi passando minha adolescência eu decidi fazer cinema.
Eu tive sorte porque tive uma bolsa oferecida pelo PROUNI, em Porto Alegre não existem faculdades de cinema públicas, só particulares.
Qual dica vocês dariam para quem está começando no Cinema?
Filipe: Trabalhar com arte no Brasil é muito difícil. Não temos os recursos que precisamos para realizar, sofremos uma perseguição midiática e de parte da população que é absurda. Então, eu diria para vocês fazerem os filmes que vocês realmente sentem necessidade, sintam que vocês precisem contar essa história. Acho que vocês realmente tiveram essa vontade, essa necessidade e se dedicarem de fato, sempre vai ser algo de interessante dali.
Márcio: Eu acho que pensando por um outro lado, complementando o pensamento do Filipe, acho que é essencial valorizar muito a importância do curta-metragem, como um espaço de experimento. Tem algumas pessoas que fazem um ou dois curta-metragens e já querem fazer um longa rápido, o que eventualmente pode até dar certo mas, pelo menos para nós, o curta foi um espaço de experimentação muito grande, trabalhamos por muitos anos fazendo isso, até fazer um primeiro longa.
Eu vejo isso hoje, olhando em retrospecto, o quanto isso foi importante, poder experimentar e poder se encontrar. Claro que estamos sempre nos encontrando, espero nunca ter um ponto final mas, para começar a se entender pelo menos, enquanto cineasta, enquanto contador de histórias, o que interessa e o que não interessa.
Filipe: Acho que isso dos interesses que a gente tem, eles se reafirmam ou se modificam muito no processo cinematográfico. Então depois de você fazer um filme você para pra pensar o que foi legal e o que não foi, se no próximo filme você vai querer trabalhar dessa maneira ou de outra.
Então eu realmente acho que o fazer é um processo que não tem fim, ele é contínuo.
Estávamos comentando ontem, como entender as obras de cineastas ou de pessoas que trabalham com cinema é quase como quando você vai lidar com a obra de um pintor, você entende a construção e a passagem da obra de um para o outro.
Como vocês têm sentido que está o mercado audiovisual brasileiro?
Márcio: O mercado brasileiro, em termos de produção e até de alcance, principalmente internacional, tem estado em um crescimento muito grande já a alguns anos. Acho que ele vive um dos melhores momentos da sua história e a gente espera que isso continue!
Filipe: Acho que a gente está em um indústria agora que tem muito a crescer e que também é uma indústria muito plural, muito diversa e que economicamente dá muito retorno, porque ela é auto sustentável. É um exemplo de sucesso para vários outros países. Então esperamos que as próximas pessoas que administrarem a cultura nacional pensem nisso, pensem de uma maneira patriota mesmo, ou seja, valorizem aquilo que é brasileiro e eu acredito que a arte brasileira é uma das melhores formas de afirmar a sua brasilidade.
Joguinho
Filme favorito?
Márcio: “Garotos de Programa”, do Gus Van Sant
Filipe: “Uma Mulher sob Influência”, do John Cassavetes
Filme brasileiro favorito?
Márcio: “O Desafio”, do Paulo César Saraceni
Filipe: “Noite Vazia”, do Walter Hugo Khouri
Uma trilogia imperdível?
Márcio: “Paradise Lost”, do Joe Berlinger e Bruce Sinofsky
Filipe: A Trilogia da Morte, de Gus Van Sant
Um documentário fundamental?
Márcio: “Paradise Lost”, do Joe Berlinger e Bruce Sinofsky
Filipe: “O Retrato de Jason”, de Shirley Clarke
O filme que você mais assistiu?
Márcio: “Conta Comigo”, do Rob Reiner
Filipe: “Masculino-Feminino”, do Jean-Luc Godard
Um filme subestimado?
Márcio: “Flesh”, do Paul Morrissey
Filipe: “Flesh”, do Paul Morrissey
Um filme que deixa você triste?
Márcio: “O Peso de Um Passado”, do Sidney Lumet
Filipe: “O Processo”, de Maria Ramos
Um diretor ou uma diretora favoritos?
Márcio: Derek Jarman
Filipe: Rainer Werner Fassbinder
Um ator ou uma atriz favoritos?
Márcio: Jean-Pierre Léaud e Marlon Brando
Filipe: Gena Rowlands