Instituto de Cinema de SP

INC Indica | Bela Vingança

Para falarmos sobre o filme Bela Vingança, dirigido por Emerald Fennell e indicado a cinco estatuetas no Oscar de 2021, precisamos primeiro ser apresentados à temática que a produção aborda, que levanta questões e discussões muito evidentes no cenário atual. Logo na apresentação, vemos a personagem principal, Cassie (interpretada por Carey Mulligan), uma jovem de 30 e poucos anos, passando por uma situação recorrente em bares e noitadas por todo o mundo: a moça, aparentemente vulnerável, se encontra bêbada em um canto qualquer, e por isso, se torna um “alvo fácil” aos olhos maldosos de homens aproveitadores. No entanto, Cassie se mostra consciente após toda a abordagem, o que gera pânico e até remorso imediato em seus agressores.


 


Com isso, o filme nos mostra, através de uma leve fotografia e direção de arte (que contrastam de maneira muito criativa o que está sendo mostrado), a famosa cultura do estupro, existente de forma sistemática em ambientes como escolas e universidades, mas que ainda é presente quando as pessoas “amadurecem”, gerando muitos predadores sexuais. O filme evidencia aquilo que, mesmo sendo ainda muito comum, se mostra cada vez mais condenável. Porém, o longa não se diminui através de generalizações, e o roteiro traz, em excelentes situações, casos onde mulheres se sentem confortáveis no papel de cúmplices, decidindo deliberadamente não condenar as atitudes dos agressores.


 


E se o roteiro de Bela Vingança é o elemento mais enriquecedor do longa, é porque a direção lhe dá o devido espaço para se desenvolver. E no caso do filme em questão, temos os dois elementos nas mãos de Emerald Fennell, que faz sua estreia por trás das câmeras. Com absoluto controle da trama que criou, Emerald desmistifica a ideia de que as mulheres “pedem” pela abordagem sexual, desculpa que vemos recorrentemente em casos na vida real. Aqui, temos uma trama surpreendente e criativa, que coloca a personagem de Carey Mulligan como a predadora dos próprios predadores. Na primeira parte do filme, Cassie se coloca em posição vulnerável, em uma armadilha contra aproveitadores. A partir do momento em que se mostra consciente, no entanto, seus agressores mudam drasticamente de atitude, quase sempre desistindo de dar continuidade à abordagem, o que evidencia que a culpa nunca foi da mulher agredida, e demonstra que o ódio não é contra o gênero masculino, mas sim contra as atitudes que continuam sendo normalizadas.


 


Seguindo a trama, Emerald Fennell nos coloca a par de quem é a personagem que estamos acompanhando. Cassie é uma mulher traumatizada, que por conta de uma situação que vivenciou com a melhor amiga nos tempos de faculdade, decidiu dedicar sua vida a mudar esse cenário hostil. Porém, a personagem não se limita a seus objetivos, e um dos grandes acertos do longa é mostrar suas dificuldades e tentativas frustradas de continuar a viver sua vida. Isso é mostrado também quando Ryan (Bo Burnham), um antigo colega de classe, acaba voltando para sua vida. Com um quê de “príncipe encantado”, Ryan se apresenta como o grande escape na vida de Cassie, uma boa exceção à regra. Porém, o personagem é outro grande acerto do roteiro, e se mostra, aos poucos, como ser conivente com um ato abominável não te faz melhor do que o próprio autor.


 


Bela Vingança é muito cuidadoso ao nos mostrar seus temas principais, e muito bem orquestrado para, aos poucos, nos mostrar suas principais denúncias, que vão muito além da abordagem presente na cena inicial, sendo uma daquelas produções que saem do superficial. Se a arte imita a vida, nada melhor do que fazer disso uma ferramenta de denúncia e reflexão. O que Emerald Fennell faz em Bela Vingança é trazer algo a mais na jogada: uma história envolvente, com roteiro que surpreende. Juntando tudo isso a uma protagonista que consegue cativar e convencer, temos uma das melhores produções de 2020. 


 


Por Pedro Dourado

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