Instituto de Cinema de SP

Saiba mais sobre o processo criativo do terror psicológico "O Segredo de Davi"

O longa “O Segredo de Davi”, que estreou no mês passado em todo o país, conta a história de um estudante de cinema, chamado Davi, interpretado por Nicolas Prattes, que tem problemas de sociabilidade e é muito tímido. Com um passado sombrio, o protagonista esconde um segredo ainda mais sombrio: voyeur e psicopata, o garoto filma enquanto assassina vítimas, escolhidas a dedo e relacionadas ao seu passado, ficando famoso na Internet por isso.


Entenda mais sobre o processo de criação, inspiração e execução do longa em entrevista com o diretor Diego Freitas:


Conte um pouco sobre o filme


O “Segredo de Davi” é sobre um menino que se descobre serial killer quando ele está prestes a fazer 21 anos. Ele estuda Cinema, e aí ele acaba gravando as vítimas e fica famoso com isso. O filme guarda muitas surpresas, mas é um suspense psicológico, com toques de terror, drama, é um filme muito focado no protagonista e como sua mente vai se deteriorando aos poucos. A gente vê o que ele vê.


Fonte de inspiração


Minha principal fonte de inspiração na verdade sou eu mesmo. Porque o filme tem muito da minha história de vida, apesar de, claro, eu não ter matado ninguém. Eu acho que o seu primeiro filme tem sempre muito do que você quer dizer pras pessoas, então eu parti das coisas que eu vivi para fazer um longa de fantasia. Eu trago muito pras pessoas esse realismo fantástico, então ele brinca muito com metáforas, e eu deixo com que o público conclua sobre o tema e as mensagens que a gente quer passar.


Então sobre influências externas, eu tenho muito dos diretores que fizeram parte da minha formação, eu assistia esses diretores quando eu tinha lá para os meus 13 ou 14 anos de idade. Dentre eles o Darren Aronofsky que fez um filme da época chamado Pi e Um Réquiem para um Sonho e depois fez Cisne Negro, que são filmes que eu adoro, foram muito importantes em termos de referência.


Também tem um pouco do Guillermo Del Toro, na questão de fazer alguma coisa de fantasia, de fazer uma luz que não é 100% realista mas que é muito bonita, uma luz muito estética. Uma direção de arte também um pouco mais agressiva e não tão realista. Mas também tive inspirações em filmes como “It Follows”, em português “Corrente do Mal”, que é mais recente,  teve também o “Babadook”, que também é um pouco mais recente, teve também o “O Sexto Sentido” e os filmes do Night Shyamalan no geral. “Clube da luta” também lembro que nos inspiramos bastante.


Obviamente que sempre vai ter o Hitchcock, com “Psicose”, porque não tem como falar de um menino psicótico sem se voltar para os clássicos, também “O Iluminado” do Kubrick, quando você fala sobre um cara perturbado e que vê coisas. Não tem como, eles são as nossas bases.


Mas não necessariamente são inspirações de filmes norte-americanos, temos também o “Goodnight Mommy”, em português “Boa Noite, Mamãe”, que inspirou bastante a gente e que é um filme austríaco.


Processo de pré-produção, produção e pós-produção


Eu tinha essa ideia de “O Segredo de Davi” desde que eu tinha 18 anos de idade. Eu não sabia ainda que seria cineasta, na verdade eu queria ser desde os 13 anos, mas eu fazia todo tipo de vídeo e eu mesmo editava minhas produções. Os anos foram passando, eu fui pegando experiência, comecei a fazer produções um pouco maiores e eu nunca tinha tirado da minha cabeça que esse seria meu primeiro filme.


Ai em 2013, eu ganhei uma viagem para Los Angeles para fazer um Workshop com o Sebrae, visitando várias produtoras. E lá eu estava em um grupo de um galera que trabalhava mesmo com cinema, distribuidores, produtores etc e ali eu pensei “Bom, é agora que eu tenho que falar sobre fazer um filme, porque se eu não falar agora, não vou falar nunca mais”. E aí eu fiz um pitching para a galera e um produtor se interessou e disse para eu voltar, escrever o roteiro, que tentaríamos tirar do papel.


E aí escrevi tudo as pressas e eu nunca tinha feito um roteiro antes na minha vida porque eu sempre tinha trabalhado com set de filmagem e pós-produção. O pessoal da produtora gostou e passou para uma distribuidora que também gostou e esse primeiro roteiro nós inscrevemos no fundo setorial e ganhamos, foi tudo muito rápido. Esse primeiro tratamento foi até um pouco antes das filmagens, só fizemos outros um pouquinho antes do início das gravações que ai que você senta e vê o quanto você tem de dinheiro e o quanto que realmente dá para fazer. Nesse momento é o que você corta fora 20 páginas do roteiro, porque não tem como fazer tudo.


Obviamente que, quando entram também outras pessoas no projeto: o fotógrafo, diretor de arte etc, as pessoas vêm com suas próprias visões e questionamentos sobre o que está sendo feito ali. Então você fica muito mais chato em todas as suas decisões, muita coisa foi alterada por influência da minha equipe, o que é muito bom! As pessoas se apropriam do projeto muito mais, e ai o filme vira o sonho de todo mundo, não só meu.


Mas no meio desse caminho todo, quando conseguimos metade do orçamento, eu ainda rodei um teaser do filme. Peguei todo o dinheiro que eu tinha, uns R$ 15.000,00, e a gente bancou, eu e meu sócio, de fazer três minutos de filme, pra eu poder mostrar pra distribuidora que eu tinha condições de fazer o filme inteiro, artisticamente falando, como diretor. Isso foi um exercício para mim e por causa desse teaser que conseguimos financiar o resto do filme também, ganhamos mais um edital.


Mas é um trabalho duro, que durou mais ou menos 5 anos até ele estar completamente pronto, foram mais ou menos 2 anos até fazer o teaser e depois disso rodamos o terceiro ano e um ano para finalizar e um ano para lançar.


Sua trajetória no cinema


O cinema no Brasil ele era feito, em sua grande maioria, por pessoas que nasceram ricas, falando bem a real. Ou você se formava na FAAP, que é um curso que poucos têm condição, ou você se formava na USP e para você passar na USP você precisava ser rico também, você precisava ter estudado em escola particular. O que não era meu caso, porque vim de uma família pobre e estudei em escola pública minha vida inteira. Eu nem prestei USP porque eu acreditava que eu não teria capacidade para passar.


Então fazer um longa-metragem sempre foi uma coisa muito distante pra mim, muito difícil de acontecer. Até que quando eu fiz 18 anos, eu saí de Mairiporã e vim para a cidade grande, São Paulo e aí eu mergulhei completamente na área. Sempre fui fazendo uma coisa aqui e ali no audiovisual. Aos poucos eu pensei que o único jeito de eu me tornar diretor, era eu fazer meus próprios curtas, do jeito que eu conseguisse fazer. Pegava câmera emprestada de amigo, eu tinha um computadorzinho que eu editava meus próprios curtas e fui exercitando.


Comecei a tentar participar de concursos. Eu lembro que quando eu tinha 17 anos, eu participei de um do site Omelete, que a proposta era “Se a Petrobras fosse um filme, como seria o trailer?” e quem ganhasse, ganharia uma câmera full hd, então o Brasil inteiro participando, e eu acabei ganhando esse concurso e a câmera e foi ela que utilizei para os curtas depois. Então foi muito step by step sabe? Sem conhecer ninguém, completamente outsider assim.


Consegui uma bolsa de estudos na faculdade e fui cursar Rádio e TV. Foi bem passo à passo, fui conhecendo pessoas área e fui fazendo vários freelas, trabalhando de dia, estudando a noite e editando de madrugada e ai um amigo meu que trabalhava na área financeira de um banco, me perguntou se eu não gostaria de um sócio e assim abrimos nossa própria produtora para fazer alguns vídeos. E ai surgi com a ideia de fazer um longa e ele topou e assim eu consegui essa viagem para Los Angeles e esse meu sócio que bancou minha passagem. A partir daí tudo foi se desenrolando.


Nesse meio tempo eu fiz um curta, chamado “Sal”, que foi muito premiado e rodou muito por aí. Foi uma produção completamente independente e custou apenas R$ 2.000,00, feito por mim e por alguns amigos.


Hoje em dia nós temos uma vantagem porque temos acesso a equipamentos técnicos por um preço muito mais em conta. Antigamente não conseguiamos fazer filme igual fazemos hoje. Atualmente você pode pegar seu celular e gravar um curta incrível e concorrer ao Festival de Cannes sabe, nada te impede mais.


Se eu pudesse deixar alguma dica seria isso. Façam seus próprios filmes, minha história foi essa, eu fui fazendo meus filmes até que alguém parou e olhou algum deles e acreditou em mim.


Qual você acha que tem sido a recepção de produções do gênero terror/suspense pelas produtoras brasileiras?


Acho que atualmente estamos em um dos melhores momentos para esse gênero. Se você parar para ver, só esse ano, já foram lançados cerca de oito longas de suspense/terror nos cinemas, como lançamento comercial, o que é inédito.


“O Segredo de Davi”, por exemplo, foi lançado em cerca de 80 salas, que já é considerado um lançamento médio, não é pequeno, então as pessoas acreditarem nisso, as produtoras acreditarem nisso, isso evidencia uma demando do público, porque o público quer mais opções.


Hoje você chega na sua e tem um Netflix, por exemplo, com filmes do mundo inteiro, incríveis e várias opções, então todo mundo tem acesso a tudo. Se o próprio mercado não se mexer e entregar mais opções para as pessoas, a gente vai entrar numa crise total.


Acho que  o cinema que se fazia no país antes, na minha cabeça, se dividia em duas coisas: a primeira é um cinema completamente comercial, e as comédias são o maior expoente disso, que é feito para divertir, entreter as massas, tem uma linguagem mais simples e que tem conflitos mais simples também, lembrando que tudo bem eles existirem, mas então você ia para o extremo oposto, para um cinema completamente intelectual, hermético, de realizadores, sempre com uma proposta social ou de experimentação, que também é ótimo e tem que existir.


Mas vocês concordam que tem um limbo aqui no meio? Enorme e que não era preenchido? Cadê o filme que pode ser mais comercial, que pode atingir as pessoas, mas que também tem profundidade, também tem camadas, também tenha crítica social. Um meio termo.


Então a gente começou a olhar para esse meio termo nos últimos anos. Vários filmes que foram lançados, miraram nisso. O último filme de sucesso que foi lançado, acho que foi o Bingo, de Daniel Rezende, que na minha opinião é um filme super divertido e interessante, mas que ao mesmo tempo tem um material artístico muito mais rico que a grande maioria.


Acho que é realmente uma necessidade de mercado mesmo e fazer filmes de gêneros diferentes tem a ver com esse limbo. “O Segredo de Davi”, por exemplo, não é um filme fácil, mas não é também um filme difícil demais. É só você prestar atenção que ele te responde tudo que você quer ouvir! Acho que tem a ver com essa galera que também assiste muita série, hoje em dia. Esse tipo de filme vai ser cada vez mais produzido no Brasil, e eu fico muito feliz de fazer parte dessa nova turma que está fazendo filme e que está pensando diferente.


Esse foi um gênero que sempre te atraiu?


Sim, sempre gostei de gêneros fantásticos, mas eu sempre gostei um pouco de tudo. “O Segredo de Davi”, por exemplo, não tem um gênero só. Ele tem essa capa de suspense, mas você tem momentos dramáticos muito fortes, um pouquinho de romance, você tem o terror, um gore, tem um monte de coisa dentro do filme.


Eu gosto de cinema, na verdade. Então eu tenho vontade de explorar outros gêneros, tenho muita vontade de fazer filmes de ação, por exemplo. Com muita perseguição.


E antigamente era muito difícil você sonhar com isso no Brasil, porque não tinha espaço, e eu acredito que hoje tem espaço sim! Eu consegui fazer um filme de suspense, maluquíssimo e que tem várias ideias fora da caixinha.


O que foi muito legal é que “O Segredo de Davi” foi comprado pela TV aberta e a TV fechada, então vai ser interessante as pessoas terem uma experiência através de outras janelas. Além disso, a experiência com o cinema ser relativamente cara, já que você tem o transporte até o lugar, o próprio ingresso que hoje em dia fica em torno de R$ 35,00.


Apesar disso, eu acredito que ir ao cinema é um ritual que temos que manter, porque, por exemplo, modéstia a parte, o “Segredo de Davi” é um filme que tem uma estética muito bem feita, tem um trabalho de cor, colorização, que demorou 3 meses para ser feito, o que é uma coisa raríssima aqui no Brasil. Então tudo foi feito com muito cuidado e muito afeto, justamente para ver numa tela grande, porque se você ver isso no seu monitor, você não consegue ver todos esses detalhes.   


Além disso, acredito que a experiência coletiva de estar vendo tudo ali no cinema é muito importante.


Dica para quem está começando agora no audiovisual


Eu tenho 28 anos de idade e tenho uma história de cerca de 15 anos no audiovisual, e eu estou conseguindo fazer meu primeiro longa depois de praticamente 10 anos de carreira. Então meu conselho é ter muita paciência e persistência. Se você continuar dando murro na ponta de faca, uma hora vai dar certo! Sou muito confiante nisso, no trabalho árduo.


Também acho que fazer portfólio é essencial, você só consegue mostrar seu valor para alguém quando você mostra o que você fez, sabe? É muito mais do que só papo. Acho que a galera fica muito mais no mundo da imaginação e da teoria e não senta a bunda, pega um iPhone e faz um filme. Edita e põe nos festivais para ver o que acontece.


Quando você está mostrando alguma coisa, você está mostrando um pouquinho de você também, de tudo que você já estudou, de tudo que você é, e alguém pode se identificar com aquilo.


Porque o cinema é uma obra coletiva, você não vai fazer nada sozinho, então eu acho que talvez o maior trabalho do cinema seja você conseguir convencer as pessoas. Tive que convencer tantas pessoas para fazer “O Segredo de Davi” que você não imaginaria, desde o cara da produtora, o cara da distribuidora, o cara da Ancine, o cara do edital, os atores. Aí depois que você faz o filme inteiro, você tem que convencer o exibidor a exibir seu filme. É um processo de convencimento e você só consegue ter sucesso quando você tem material e completa certeza do que você está fazendo e do que você está falando.


Então “O Segredo de Davi” é um filme que estudei muito para fazer, o roteiro foi muito bem pensado, durante anos. Qualquer vírgula daquele roteiro, eu sabia responder. Eu tentei tirar o máximo que eu pude, tentei passar segurança para as pessoas, e segurança de como eu ia realizar também, eu tinha um plano muito material e realista. Então eu falava “Vai ser feito dessa forma, vai precisar dessa grana e o dinheiro vai vir desse lugar”. É isso que as pessoas querem ouvir, na verdade.


Como e onde foram feitas as gravações?


Todas as gravações foram feitas aqui no Brasil. Metade delas forma em estúdio, o que foi uma audácia, porque a gente não tinha dinheiro para fazer cenário, mas a gente pensou que era necessário, porque se não, não seria possível trazer a estética que a gente queria. Porque as locações não existiam, então tivemos que construir mesmo os apartamentos do filme. Também conseguimos apoio da Universidade Anhembi Morumbi, que emprestou o estúdio para a produção durante um mês. Com isso, conseguimos pegar um real dali, outro de outro lugar, conseguir apoio de outras empresas e fizemos o cenário.


Foi uma luta também! O filme custou 1 milhão e 600 mil reais, o que, no momento, é o maior dinheiro que já tive para fazer qualquer coisa na minha vida, mas ai quando você vai fazer o filme, você vê que não dá. É muito maluco isso. Mas se formos analisar, um filme como o “Boas Maneiras” custou muito mais do que isso. Então a gente entrega uma qualidade muito alta, porque a gente fez questão de cada centavo estar na tela, não estar em coisas que não reflitam no filme.


Muitas coisa foram feitas de forma artesanal também. Produzimos muitos efeitos especiais, que são efeitos difíceis, temos por exemplo um personagem inteiro feito em animação gráfica. Aí eu descobri um menino no YouTube, que morava no interior de São Paulo e trabalhava numa fábrica de pijamas e nas horas vagas ele fazia efeitos visuais. A gente se conheceu quando eu tinha 17 anos de idade, eu fazia meus vídeos e ele os dele na fábrica de pijamas. Ele pegou a família e a mala, se mudou para São Paulo, para fazermos “O Segredo de Davi” juntos. Ficamos 2 anos sentados em casa, fazendo os efeitos especiais do longa.


Então temos que descobrir os talentos, descobrir as pessoas, porque como eu falei, é uma obra coletiva, então todo mundo ali era importante. Era o primeiro filme de um monte de gente da equipe.  


Comente um pouco sobre a escolha de atores


O mais difícil foi achar o Davi, que está literalmente no filme inteiro, você pode perceber que ele está em quase todas as cenas e não tem outro ponto de vista sem ser o dele. O filme iria desmoronar se eu achasse um ator ruim. Fizemos milhões de testes, testamos centenas de atores, todos parecidos com o escolhido, Nicolas Prattes, mas eu não achava o ator.


Eu comparo muito com “Cisne Negro”, vocês já assistiram? Porque no filme, a atriz precisava ser a cisne negro e a cisne branca, ela precisava ter o lado da inocência e o lado maldoso, e o Davi precisava ser exatamente a mesma coisa. Ele é um psicopata mas ele é um garoto bonzinho que você tem empatia por ele. Então como achar essa pessoa?


Faltavam três meses para as gravações e eu ainda não tinha o Davi. Foi desesperador. E aí eu liguei a televisão e vi uma novela que esse menino estava fazendo, e eu nunca tinha visto ele antes na minha vida e fiquei completamente enlouquecido por ele. Eu consegui falar com a família dele, pulei o empresário, pulei tudo, porque eu não podia perder ele.


Antes de mais nada eu queria que ele lesse o meu roteiro e assistisse o teaser, e ele viu e gostou. Depois disso marcamos um almoço no Rio de Janeiro e eu disse que ele estava contratado e acabou. Não fiz teste de nada. Cheguei em São Paulo, chamei os produtores e falei “Seguinte, achei o Davi e vai ser esse menino”. Aí eles me perguntaram se eu tinha feito teste ou alguma coisa e eu disse que não fiz nada mas que eu sentia que era ele e que se eles tinham confiado em mim até agora, tinham que confiar até o final.


Foi assim que aconteceu e foi a melhor escolha que eu poderia ter feito. Ele tem uma atuação no filme arrebatadora, na minha opinião. O Davi é um papel muito difícil, acho que depois que ele fez isso, ele faz qualquer coisa.  


Como foi o processo de ensaios e de direção de atores?


Foi um trabalho de ensaio gigantesco. Ficávamos oito horas por dia, todos os dias, exaustivamente. E o ator confiou completamente em mim, no que eu iria fazer, foi meio “O que você falar, eu vou fazer” e pronto. Uma relação muito simbiótica, de eu me misturar com ele e fazermos uma coisa só.  


O que chegou primeiro na minha vida foi a pós-produção, comecei com a montagem, depois fui para filmar, fui conhecer equipamentos, fazer fotografia e depois disso comecei a trabalhar com pessoas, trabalhar com atores, que é muito diferente. Com um fotógrafo, você fala termos técnicos, é uma direção objetiva, já com os atores não, eu não posso falar assim. Então eu tive que voltar para a minha humanidade, para minha coisa menos técnica.


O curta “Sal”, que foi um filme bem menos pretensioso que “O Segredo de Davi”.   foi muito importante para isso. Se trata de, basicamente, dois atores em uma sala, conversando, e é só isso. No curta, eu tive que encontrar maneiras de fazer esses atores, atuarem muito bem, porque só tinham eles, não tinha mais nada, não tinha subterfúgio. A primeira coisa que eu aprendi é que você precisa de bons atores, porque, no final das contas, você não ensina ninguém a atuar, isso é uma lenda. Assim como você não pode contratar um diretor de fotografia e ensinar ele a filmar. Ele tem que ser melhor que você nisso.


Na verdade, o trabalho de diretor é um trabalho de feedback, indicando o melhor caminho para uma produção. Você indica para os atores algumas direções mas o talento e o brilho são deles e sempre foram, no “Sal” eu descobri isso e fiquei muito mais tranquilo. Quando você tem noção do que você está fazendo, você sabe o subtexto da sua cena, quando você sabe exatamente o que você quer, se o ator for bom, ele vai chegar ao que você quer. Seu trabalho se torna basicamente não estragar o que o ator está fazendo.


Eu descobri um método nos ensaios, que eu usei em “O Segredo de Davi”, que fez muita diferença e é o jeito que eu gosto de trabalhar, que é filmar os ensaios. Tudo é filmado. Eu filmava quarenta vezes e depois assistia e ajustava milimetricamente cada sobrancelha que ele levantava ou uma entonação que eu não gostava.


Chegou no final, a gente já tinha filmado tudo milhões de vezes com o Nicolas e ele já sabia tudo, ele já tinha chegado no que eu queria. Então quando chegou na hora da filmagem mesmo, a gente só repetia.


Claro que não são todos os atores que trabalham dessa forma, porque tem alguns diretores que não acreditam em ensaios. Eles dizem que tem uma magia que vem na hora do set e que você não emula antes, mas eu não concordo, porque isso nunca aconteceu comigo. Toda vez que eu estava preparado e já tinha feito aquilo antes, na hora ficava melhor ainda, a magia vinha e vinha com toda uma segurança de que éramos capazes de fazer aquilo.           


Não era uma surpresa, até porque o ator tem que repetir. Se o cara está aqui, lindo e maravilhoso, chorando, gênio, eu vou fazer mais cinco planos. Então você precisa estar lindo e maravilhoso chorando, cinco vezes iguais. Essa coisa de estar na hora e brilhar, eu acho uma baboseira. Até porque o ator tem que ter técnica, como o fotógrafo também tem que ter técnica.  


Obviamente que esse é meu ponto de vista, pela minha experiência. Eu sei que quando você trabalha com não atores, como eu já trabalhei algumas vezes, é diferente. Você vai trazer muito mais para o físico e o emocional, então você vai fazer o cara ficar com raiva de verdade, tudo é muito de verdade. É uma proposta, é um tipo de cinema. O meu tipo de cinema é muito mais linear, nada é feito à toa, a movimentação do personagem é completamente ensaiada. Foi tudo muito bem pensado.


Então se você odiar o filme, você vai me odiar mesmo, porque tudo aquilo ali foi pensado, foi planejado e se você odiou, é porque você odeia meu cinema. Já que é a para fazer o primeiro, faça do jeito que você acredita, não é?    


 


Joguinho


Filme favorito? Matrix


Filme brasileiro favorito? Cidade de Deus


Trilogia imperdível? Matrix


Documentário fundamental? Cabra Marcado para Morrer


Filme que você mais assistiu? Matrix e Titanic


Filme subestimado? Cloud Atlas, em português “A Viagem”


Filme que te deixa triste? Eu, Daniel Blake


Musical favorito? Dançando na Chuva


Diretor ou diretora favorito? Lana Wachowski


Atriz favorita? Fernanda Montenegro


Ator favorito? Wagner Moura

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