Lista | 10 Filmes para conhecer o Cine Latino-americano
Por vezes pouco valorizado em relação às produções norte-americanas ou europeias, o cinema latino-americano, riquíssimo em forma e conteúdo, é repleto de críticas sociais, questionamentos morais e narrativas fascinantes.
Essa designação se refere aos filmes produzidos nas regiões da América do Sul e Central, onde os idiomas oficiais possuem raízes latinas. O nascimento do cinema latino-americano acompanha o nascimento do cinema mundial, um ano depois da primeira exibição de cinema do mundo, em 1895, os equipamentos de filmagem e de projeção já haviam chegado à América Latina.
Inicialmente foram realizados diversos mini documentários e filmes de propaganda estatal, e até a década de 1950, o modelo de cinema era majoritariamente uma reprodução do mercado hegemônico da indústria norte-americana. Nessa época, destaca-se inclusive uma produção tida como “higienista”, que não colocava em pauta as questões internas dos países - como a “Chanchada” -, uma vez que o cinema, segundo a lógica de consumo industrial, serviria apenas como um entretenimento escapista, e não deveria tratar de problemas sociais ou gerar reflexões.
No fim dos anos 1950 e começo da próxima década, com a crescente dos estados repressivos e a, cada vez maior, importação de filmes estrangeiros, o mercado cinematográfico interno desses países entrou em colapso, e assim, muitos filmes passaram a ser produzidos no circuito independente, conquistando maiores liberdades e abordando temas como as regionalidades periféricas, diferenças de classe e discriminação, época em que esse cinema começa a se entender na sua condição de nações subdesenvolvidas, e surge como resistência ao colonialismo.
Sendo assim, é a partir dos anos 1960 que a cinematografia latino-americana ganha força política, e é estabelecido o Nuevo Cine Latino-americano (ou Cinema Novo). Filmes ficcionais e documentários manifestavam ideais revolucionários, e teorias de cinema ganhavam espaço, como os manifestos de Glauber Rocha, “Estética da Fome” e “Estética do Sonho”, “Hacia un tercer cine”, dos argentinos Fernando Solanas e Octavio Getino, e “El cine imperfecto”, do cubano Julio Garcia Espinosa. Diversos movimentos latinos surgiram, em busca do que foi chamado de Terceiro Cinema, ou seja, um fazer cinematográfico autêntico, ativista e engajado, próprio dos países colonizados, e que fugisse da estética e dos ideais hollywoodianos e europeus.
Durante a década de 1970, entretanto, a repressão das ditadura militares em diversos países obrigou muitos cineastas a se exilarem, principalmente na Europa. Nos anos 1980, as dificuldades financeiras fizeram com que o cinema latino-americano passasse por um período de estagnação, havia uma grande dependência da produção cultural em relação ao Estado - sendo a maioria dos filmes produzidos por meio de incentivos fiscais ou com o apoio de instituições governamentais, como a Embrafilme -, o que limitava e censurava essa produção. E, aliado a esse fator, havia ainda a saturação do mercado com as superproduções norte-americanas, que lançavam seus blockbusters e tomavam cada vez mais espaço nas salas de exibição.
Já entre os anos 1990 e 2000, deu-se uma nova onda criativa em países como Brasil, Argentina, México, Uruguai e Chile (aqui conhecida como a “Retomada do cinema brasileiro”). Os filmes produzidos nessa época buscavam retratar a população marginalizada, focando em dilemas da sociedade contemporânea como a violência urbana.
Confira abaixo uma lista com 10 filmes para começar a conhecer a produção riquíssima do Cine Latino-americano!
La Teta Assustada, Claudia Llosa (Peru, 2009)
A teta assustada é um folclore existente no Peru, sobre uma doença que atinge as mulheres estupradas durante a guerra do terrorismo. Segundo o mito, seus filhos absorvem através do leite materno o medo, ficando sem alma. É o que ocorre com Fausta (Magaly Solier), a protagonista. A súbita morte de sua mãe faz com que ela tenha que enfrentar sozinha seus medos e as opressões de uma sociedade patriarcal.
Claudia Llosa é uma diretora e roteirista peruana, sobrinha do escritor Mario Vargas Llosa. Em 2009 foi vencedora do Urso de Ouro no Festival de Berlim com o seu filme A Teta Assustada. Sempre com perspectivas femininas e feministas, choca ao evidenciar em seus filmes a realidade de violência a que são submetidas as mulheres.
Leonera, Pablo Trapero (Argentina, 2008)
Um dia, ao acordar em seu quarto, Julia se depara com os corpos ensangüentados de Ramiro e Nahuel. Sem saber direito o que ocorreu na noite anterior, ela acaba apontada como a culpada pela morte de Nahuel e é presa. Como está grávida, ela é enviada a um presídio onde as mães podem ter seus filhos e cuidar deles até os 4 anos de idade. Indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2008, Leonera foi também exibido na 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
O diretor do longa, Pablo Trapero, é o mesmo de Do Outro Lado da Lei e Família Rodante e é considerado um dos grandes nomes do cinema argentino contemporâneo.
Que Bom Te Ver Viva, Lúcia Murat (Brasil, 1989)
O filme dirigido por Lúcia Murat aborda a tortura durante o período de ditadura no Brasil. Unindo relatos documentais de oito ex-presas políticas e criações ficcionais interpretadas por Irene Ravache, a obra mostra como as vítimas sobreviveram e como encaram aqueles anos de violência duas décadas depois. Mais do que descrever e enumerar as atrocidades praticadas pelos militares, o filme mostra o preço que essas mulheres pagaram, e ainda pagam, por terem sobrevivido lúcidas à experiência de tortura.
Lúcia Murat é uma cineasta brasileira ex-integrante da luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Foi presa pela repressão do regime em 1971, experiência que exerceu forte influência em sua obra. Seu longa-metragem Que Bom Te Ver Viva mistura documentário e ficção num compêndio de histórias, relatos e lembranças dos tempos de prisão. Em 2004, retomou o tema com Quase Dois Irmãos, que lhe valeu o Prêmio de Melhor Filme Ibero-Americano do júri oficial e de Melhor filme do júri popular do Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata.
Frida, Naturaleza Viva, Paul Leduc (México, 1983)
Em seu leito de morte, a pintora Frida Kahlo (Ofelia Medina) relembra sua vida. Em sua mente ela repassa situações importantes que vivenciou, como sua infância, a doença que teve, seu comprometimento político, sua agitada vida sentimental, a amizade que teve com Leon Trotsky (Max Kerlow) e com o pintor David Alfaro Siqueiros (Salvador Sánchez) e seu casamento com Diego Rivera (Juan José Gurrola). Apesar de confinada a uma cadeira de rodas como resultado da pólio, ela testemunha e participa dos aspectos mais pitorescos e importantes da história mexicana.
Paul Leduc é diretor, roteirista, produtor e crítico de cinema. Começou a trabalhar com cinema ao final da década de 1960 e durante esse período, passou por um momento de renovação do cinema mexicano, quando aproximou-se do movimento do Cinema Novo brasileiro. Hoje é reconhecido como um dos mais talentosos diretores de cinema do México.
O Botão de Pérola, Patricio Guzmán (Chile, 2015)
Neste documentário, o cineasta Patricio Guzmán observa as águas do Chile, onde foram jogados milhares de pessoas durante a ditadura. Ele faz uma triangulação entre a geografia (a condição insular do país), o passado colonial (com a morte e estupro de índios) e a ditadura de Pinochet.
Patricio Guzmán é um diretor de cinema chileno, especializado em documentários. Um dos grandes nomes do cinema latino-americano, destaca-se não apenas pelo profundo conhecimento do gênero documental, mas, sobretudo, por uma impressionante sensibilidade ao falar de política - principalmente no que diz respeito à ditadura que assolou seu país entre 1973 e 1990.
Memórias do Subdesenvolvimento, Tomás Gutiérrez Alea (Cuba, 1968)
Em 1962, logo após a Revolução de Fidel Castro em Cuba, Sérgio, um homem de 38 anos, de classe média alta, vê sua mulher e seus amigos fugirem da ilha e do comunismo. Ele não quer partir, não porque seja um revolucionário, mas por curiosidade em saber o que vai acontecer. Enquanto o regime avança, ele perambula pelas ruas de Havana e observa seus conterrâneos. Obra-prima do mestre Tomás Gutiérrez Alea, o filme é considerado um dos mais importantes do cinema latino-americano e o principal registro do cinema cubano sobre sua revolução socialista.
Tomás Gutiérrez Alea foi um cineasta cubano, autor de vários filmes que obtiveram projeção internacional, como Morango e Chocolate e Guantanamera, tornando-o no realizador cubano mais conhecido do século XX.
En La Puta Vida, Beatriz Flores (Uruguai, 1993)
O filme conta a história de vida de Elisa, uma mulher que sonha em abrir seu salão de cabeleireiro. Mas que, depois de algumas decepções, se muda para Barcelona como imigrante ilegal em busca de oportunidades e acaba trabalhando como prostituta.
Beatriz Flores é uma diretora, produtora, roteirista e professora de cinema. Conhecida por trabalhar com histórias de mulheres marginalizadas no Uruguai, seus filmes incluem Os Sete Pecados Capitais, A História Quase Verdadeira de Pepita, a Pistoleira, Nesta Vida Traiçoeira e Masangeles.
O Pântano, Lucrecia Martel (Argentina, 2001)
A cidade de La Cienaga é conhecida pelas extensões de terra que se alagam com as chuvas repentinas e fortes, formando pântanos que são armadilhas mortais para os animais da região. Perto da cidade fica o povoado de Rey Muerto, em que está localizado o sítio La Mandrágora, onde são cultivados pimentões vermelhos. Para ele vão duas famílias, lideradas por Mecha (Graciela Borges) e Tali (Mercedes Morán). Mecha é uma mulher em torno de 50 anos, que tem 4 filhos e um marido que procura ignorar bebendo cada vez mais. Já Tali é prima de Mecha e também tem 4 filhos, sendo que ama seu marido e sua família. Em meio a um verão infernal, as duas famílias entram em conflito quando a tensão entre elas aumenta.
Lucrecia Martel é uma cineasta argentina, diretora e roteirista com 12 filmes em seu currículo, foi reverenciada em Cannes na exibição de seu filme A Menina Santa e, considerada a mais importante diretora latino-americana, foi presidente do Júri do festival de Veneza de 2019. Ela também assina a direção dos filmes A Mulher sem Cabeça, Zama e Muta.
Pelo Malo, Mariana Rondón (Venezuela, 2014)
Junior (Samuel Lange Zambrano), um menino de nove anos de idade, sonha em alisar o cabelo para ficar mais parecido com sua imagem fantasiosa de um cantor de cabelos compridos. Sua mãe Marta (Samantha Castillo) luta para sustentar a família após a morte do marido e, ao mesmo tempo, tenta evitar o jeito diferente do filho.
Mariana Rondón é uma diretora de cinema, roteirista, produtora e artista visual venezuelana. Estudou na Escola Internacional de Cinema e Televisão, em Cuba, e posteriormente animação na França. Em 1990, ela criou a Companhia Multinacional Andina "Sudaca Films" junto com outros cineastas latino-americanos.
Terra em Transe, Glauber Rocha (Brasil, 1967)
Em Terra em Transe Glauber Rocha, um dos maiores nomes do cinema brasileiro, constrói uma alegoria da conjuntura brasileira - e latino-americana - que resultou no Golpe Civil Militar de 1964. Na trama, o país fictício de Eldorado é palco de uma convulsão interna desencadeada pela incessante luta em busca do poder. Na trama, o senador Porfírio Diaz (Paulo Autran) detesta seu povo e pretende tornar-se imperador de Eldorado, um país localizado na América do Sul. Porém existem diversos homens que querem este poder, que resolvem enfrentá-lo. Enquanto isso, o poeta e jornalista Paulo Martins (Jardel Filho), ao perceber as reais intenções de Diaz, muda de lado, abandonando seu antigo protetor.
Glauber Rocha, cineasta e escritor, foi um dos líderes do movimento do Cinema Novo, onde propunha uma produção alinhada à situação socioeconômica do chamado “Terceiro Mundo”. Sua filmografia, inspirada pela realidade brasileira, especialmente a de fora dos grandes centros urbanos, é caracterizada sobretudo pela inovação da linguagem cinematográfica e pela incansável denúncia política e social.
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Por Isabella Thebas